Carme
Esta obra em construção lenta e corrosiva
Mil coisas a fazer
Mil léguas a percorrer
Mil palavras a traduzir
E todas envoltas numa semântica
profunda e dúbia
Esta obra sempre em construção,
Em gerúndio doentio, reticente e inacabado
O vergar dos dormentes combalidos da estrada
O zoar da eletricidade passando rápida e fatal
A ida que tem a volta e, a volta que não tem ida.
É o tempo. E a espera do tempo.
Compasso desesperado e contemporâneo.
A não perdoar minhas rugas,
Minhas mãos,
E minhas pernas
Onde estão já que não consigo correr?
Fugir, escalar e, por fim, alcançar o
objetivo indefectível:
A morte ou o envelhecimento.
O fim ou o esquecimento.
Pois somos esquecidos num canto qualquer
do retrato, da estória, do passadiço
E, as palavras aderidas a moldura,
Revelam segredos indiscretos
Indizíveis…
Só o silêncio pode compactuar com
o carme,
ditará o ritmo certeiro
e a cura de todas as angústias…
só silêncio sabe a hora exata
em que a construção será concluída.