ICEBERG AZUL & MAIS
ICEBERG AZUL I (6 mar 11)
Um castelo azul e branco hoje se ergue
por sobre o mar de igual coloração.
As águas bem tranquilas aqui estão,
embora o céu um certo cinza albergue.
Nenhuma praia a seu redor soergue
e toda areia procedente da erosão
tragada foi pelo mar, sem compaixão:
mas no alto a cidadela se reergue.
Branca península parece se estender
por detrás dessa azulada fortaleza,
talvez por ela se obtenha acesso.
É bem difícil para um barco pretender
aportar nesta margem de aspereza,
refletida no oceano em seu avesso.
ICEBERG AZUL II
Na verdade, ninguém mora no castelo:
suas ameias estão abandonadas,
nos baluartes não há aves debruçadas,
a solidão há muito apôs seu selo...
Mas o palácio continua belo,
no alto dessas rochas escarpadas,
por sobre as águas assim acumuladas,
à espera de um momento de degelo...
Contudo, ainda posso imaginar
não que gigantes o estejam a habitar,
mas que seja o próprio Ymir congelado.
Olhos azuis no semblante azul, calado,
com um braço cofia a barba, permanente,
enquanto o outro estende, indiferente.
ICEBERG AZUL III
E se for Ymir realmente o ser imóvel
a flutuar em seu banho de verão,
no escasso percutir do coração
com que navega oceano imponderável?
Seus olhos fundos no rosto formidável,
ele contempla os oceanos de antemão,
para os quais não poderá lançar a mão
de sua carne de gelo assim tão frágil...
Pobre gigante, de tanta majestade,
erguido nos limites desse Ártico,
desejoso, talvez, de ver o Antártico,
mas condenado, por toda a eternidade
a evitar a passagem do Equador,
para não se derreter em seu calor...
O HAMSTER E A PINHA I (23 fev 11)
Menor do que uma pinha, o roedor,
todo coberto por pelame grosso,
fareja o ar, à espera de um almoço,
com um chafariz de pelos, defensor
do seu focinho. Os bigodes tem valor,
são sensitivos para o seu retoço...
A criatura mal move o pescoço,
enquanto mede os cheiros e o calor.
Servem também para sua orientação,
talvez ligados às linhas magnéticas
que envelopam a Terra ao seu redor.
E o hamster, imóvel em seu temor,
ainda se presta a ilusões estéticas,
para o prazer de um velho sonhador...
O HAMSTER E A PINHA II
Ele é minúsculo, ao lado dessa pinha,
e se move sobre o musgo, silencioso;
cabe na palma da mão e é temeroso
de qualquer predador que se avizinha.
Castanho-escuro contra o verde, a criaturinha
não faz mal a ninguém, nem é vaidoso
de qualquer poderio majestoso,
entre as hastes de musgo pequeninha.
Com a pinha um triângulo ele forma:
são dois opostos cones sobre o solo,
equilibrados em rústica harmonia.
As orelhinhas ele remexe e torna,
para melhor detectar perigo e dolo
de temido caçador, que o espreitaria...
O HAMSTER E A PINHA III
Vive, entretanto, permeio a seu temor,
enquanto a pinha, deitada do seu lado,
que à umidade se fecha com cuidado,
vida possui, porém de outro teor...
Ela procura, assim, um roedor,
que a guarde em covil bem apertado,
onde, com sorte, no momento azado,
o que não for comido, no calor
irá brotar e conífera tornar-se,
igual à que lançou aquela pinha:
o hamster minúsculo é seu guardião.
Dele precisa a pinha para alçar-se
e da floresta tornar-se uma rainha,
oferecendo ao bichinho a nutrição...
LINCE DE GELO I (3 mar 11)
É cego o lince que na neve deita:
seu pelo é todo branco como a neve.
E duvidar dessa cor ninguém se atreve:
de neve é o lince, uma escultura feita,
com perfeição, que sobre a neve ajeita
o seu focinho, em farejar mais breve,
pois não tem pelos que o bigode leve
a se agitar, como seu faro aceita...
Não é mais, afinal, que uma escultura,
a perdurar enquanto estiver frio;
logo a seguir irá se desmanchar.
Mas sob o sol adquire tal lisura
que mesmo em gelo manifesta o brio
dessa valente e ágil criatura...
LINCE DE GELO II
Há nessa pose uma lição contida
a quantos erguem imagens de escultura
ou que se aplicam à arte da pintura,
com intenção de perpetuar a vida,
por obra e graça de casual feitura.
Quem o lince esculpiu não se apelida
de criador ou artista ou dá guarida
a qualquer veleidade que perdura.
Pois sabe muito bem que logo a neve
irá cobrir sua obra, que indistinta
ficará sob o manto branco e puro
Ou então, derreterá em tempo breve,
se a luz do sol com mais calor pressinta,
desfeito assim apenas em monturo.
LINCE DE GELO III
Se for criança, essa obra será eterna,
inscrita para sempre em fantasia.
Há de contar depois o que fazia,
ao invés de travessuras e baderna.
Se adulto for, terá razão mais terna,
na avaliação de que depressa fugiria
sua própria vida e os bens que perderia.
Esse lince de neve é a marca externa
da obra humana, em sua fugacidade.
E assim o lince satisfaz aos dois:
o olhar agudo em total opacidade.
Deitado no gramado, é um guarda fiel,
enquanto soma-se o depois a outro depois
e só se guarda da lembrança o mel.
CRUCIFIXO I (2008)
Mostram Cristo desnudo ou só com tanga,
despido sobre a cruz, símbolo fálico,
o oposto da maçã, símbolo málico:
a morte e o sexo sob a mesma canga.
Mais raramente, lhe retiram tal coberta,
esse hipócrita e sutil panejamento
e o mostram por inteiro no tormento.
Porque, afinal, a Escritura é aberta
em sua descrição: jogaram sortes
para ver quem ganhava, por sua vez,
toda a roupa de Cristo, em menoscabo.
Ele aparece de frente, sem mais cortes,
mas nunca vi Cristo por trás, em sua nudez,
por mais que veja de Satanás o rabo!...
CRUCIFIXO II
Nessas lendas do Malleus Maleficarum
constava que feiticeiras se reuniam
em volta do diabo e então erguiam
a sua cola para o rabo lhe beijarem!...
Decerto aconteceu de sufocarem
algumas pobres bruxas, que sentiam
um certo nojo do mau cheiro e assim sofriam
com tal fedor, ao ânus lhe oscularem!...
Pois acredito que as bruxas preferissem
de Satanás beijarem a outra cola,
pois dele os padres diziam ser amantes...
E retratassem Satanás ou o esculpissem
com um falo terrível, nessa tola
criação de suas mentes delirantes.
CRUCIFIXO III
E nessa obsessão pelo castigo
que a tantos levaria para o inferno,
a hierarquia proclamava o Bem externo,
mas à sorrelfa era ao Mal que dava abrigo.
Esse Cristo torturado é o inimigo
da alegria humana e do amor terno:
obrigado pelo Pai, desceu ao Averno,
pelos mortos a enfrentar maior perigo!...
Mas esse corpo despido e sob a pua
de três cravos e todo flagelado,
enquanto o lenho carregava pela rua,
não me desperta pena e nem pecado.
Mil vezes mostrem então uma cruz nua
ou a imagem de Jesus Ressuscitado!...