MINHA RELAÇÃO COM AS LETRAS

Existe algo mágico e de profunda comunhão que me une às letras.

Elas chegaram cedo demais à minha vida, desavisadamente, com independência e exclusividade. Não que outras pessoas não sejam letradas, mas afirmo sem medo que aquelas eram diferentes, singulares, à parte das cartilhas, distantes dos bancos colegiais, a ponto de me invadirem antes mesmo que eu conhecesse escola.

Mistério? Mito? Miragem? Não tenho respostas, apenas a certeza de que sem elas não vivo.

É bem diferente me relacionar com essas eclosões e implosões que por milhares de estrofes me traduzem. É como dialogar comigo mesmo, dizer a mim o que a voz da consciência não é capaz ou não se propõe falar. Sua viagem não se limita à lucidez presumida, não se detém nas teias da convenção humana e ignora o que seja o medo de meus íntimos realismos.

As minhas letras são meu baluarte, meu forte, meu porto seguro, onde não somente me escondo das sombras entranhadas ao terror, como também contra-ataco os dardos da infelicidade que tenazmente, vez por outra, me assedia.

Estar com elas ou mesmo nelas é mergulhar em impenetráveis invólucros que blindam minha alma desses intermináveis fascículos de decepção e desenganos. Elas não mentem pra mim e nem eu para elas. Nem sempre são inteligíveis à ótica externa, poucas vezes são compreendidas pelo modo fútil e literalista com que alguns se aventuram a traduzi-las e mesmo quando soam desconexas e vazias para uma grande multidão, estão, em verdade, gritando preciosidades para a única platéia que de fato lhes interessa: eu mesmo!

Eu me refugio em minhas letras. É meu divã competente, minha vacina emocional, meu tratamento psicológico, minha terapia ocupacional, minha higiene holística, minha religião pacífica, meu conflito apaziguador, minha relíquia inovadora, meu retrato invisível, meu diagnóstico preciso, minha enfermidade salvífica e reanimadora.

Sem letras eu sou pássaro de asas arrancadas, um cantor mortalmente atingindo em seu diafragma, um verão que do sol pediu divórcio, relva sem orvalho, trilho sem mapa, horizonte sem aurora, boca sem voz, cérebro sem neurônios, pintor sem tinta, chama desoxigenada, atmosfera sem ozônio, mar sem ondas, guerra sem armas e paz sem bandeira branca.

Ao passo que com elas sou forte para crer no impossível, sou centurião e infantaria, sou hábil escudeiro e arqueiro veloz, sou nuvem carregada sobre a estiagem, sou fonte incontaminável, sou vilão restaurado e herói invulnerável. Porque quando nelas me insiro, mergulho nos afãs que a injustiça real não me permite desfrutar.

As minhas letras não me traem, não me decepcionam, não me julgam equivocadamente (posto que me traduzem), não me relegam ao descaso, não me inocentam do desacerto e nem me abandonam em função dele, não me negam o direito ao amor e ao respeito, não me ferem, não me desamparam, não me elegem ao segundo escalão de suas prioridades, jamais me preterem e acreditam em mim quando digo que não sou melhor do que ninguém, mas sou sincero em admitir que vivo às claras, jamais me dando a discursos hipócritas ou relações covardes.

De sorte que eu queria habitar outro mundo e deste partir. Um mundo sem dinheiro e sua consequente cobiça, sem disputas por poder, sem os arsenais da vaidade, sem conquistas medíocres ou perdas infames, sem o sorriso falso, sem a lágrima mentirosa, sem o forte e sem o fraco, pois só assim não haveria também a injustiça. Um mundo com cara de céu, com água limpa e ar puro, sem gente que não possamos chamar de gente e, acima de tudo, um mundo que não me maltrate... um mundo governado por Deus e ensolarado por Jesus, que me possibilite a presença eterna de todos aqueles que amo. E, enfim...um mundo que nunca me separe das minhas letras!

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Reinaldo Ribeiro - O Poeta do Amor

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Reinaldo Ribeiro
Enviado por Reinaldo Ribeiro em 03/06/2011
Reeditado em 29/01/2013
Código do texto: T3011590
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