CONTRADIÇÃO

Como digo que quero o que não quero?

E o que não desejo num instante vejo

preso em mim e me tornando preza,

querendo que eu queira o que não espero,

forçando-me a ter o que não almejo,

inserindo dúvidas onde havia certeza.

Como posso eu a mim declarar guerra

se ao atacar-me também sei a defesa?

Sendo vencedor vejo-me vencido;

sinto-me estranho em minha própria terra.

Não, não posso nessa tal vileza

deixar-me estar sem rumo, perdido.

Como posso amar a quem não amo

e delirar na insipidez de beijos frios?

Minh'alma foge enquanto o corpo ata

a outro corpo em revelado engano,

num leito só água de dois rios

um que vivifica junto a outro que mata.

Nas mãos do meu algóz o azorrague ponho

e dou-lhe as costas a sua vontade;

ao suplício desse amar me dou sem clemência

e num tênue espaço entre o real e o sonho

faz-se um inferno de felicidade.

Um misto de poder e fraqueza

antídoto e veneno é este sentir,

antagônico como a cruz e a espada,

triste e belo qual do cisne o canto;

como em meio ao pranto um doce sorrir

é querer-se tudo e sentir-se nada

é, ao mesmo tempo, ser profano e santo.

Como posso eu assim viver?

Soterrado em tanta oposição

parto e fico e neste ficar

em dois seres parto eu meu ser,

fragmenta-se meu coração

vida e morte neste doido amar!

Abnel Silva
Enviado por Abnel Silva em 01/06/2011
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