CONTRADIÇÃO
Como digo que quero o que não quero?
E o que não desejo num instante vejo
preso em mim e me tornando preza,
querendo que eu queira o que não espero,
forçando-me a ter o que não almejo,
inserindo dúvidas onde havia certeza.
Como posso eu a mim declarar guerra
se ao atacar-me também sei a defesa?
Sendo vencedor vejo-me vencido;
sinto-me estranho em minha própria terra.
Não, não posso nessa tal vileza
deixar-me estar sem rumo, perdido.
Como posso amar a quem não amo
e delirar na insipidez de beijos frios?
Minh'alma foge enquanto o corpo ata
a outro corpo em revelado engano,
num leito só água de dois rios
um que vivifica junto a outro que mata.
Nas mãos do meu algóz o azorrague ponho
e dou-lhe as costas a sua vontade;
ao suplício desse amar me dou sem clemência
e num tênue espaço entre o real e o sonho
faz-se um inferno de felicidade.
Um misto de poder e fraqueza
antídoto e veneno é este sentir,
antagônico como a cruz e a espada,
triste e belo qual do cisne o canto;
como em meio ao pranto um doce sorrir
é querer-se tudo e sentir-se nada
é, ao mesmo tempo, ser profano e santo.
Como posso eu assim viver?
Soterrado em tanta oposição
parto e fico e neste ficar
em dois seres parto eu meu ser,
fragmenta-se meu coração
vida e morte neste doido amar!