SONETOS GREGOS (metro alcaico) & MAIS
METROS GREGOS XI --
UM SONETO EM PEQUENO ALCAICO
Antes que os gélidos ventos cheguem,
Antes que as pútridas preces subam,
Antes que hipócritas faces neguem
Quem quer que seja o deus a quem entubam
Frios cartuchos em odor de incenso,
Para subir, entre volutas ágeis,
Quero cheirar, sem temor, a este tenso,
Acre perfume, nessas taças frágeis,
Nitidamente, oferecer-me o vinho,
Sólida mesa recoberta em caldos,
Pois meu estômago me alenta mais que os deuses...
Quero fazer em um plectro o espinho,
Quero cantar do amor os tristes saldos,
Antes de dar-te os meus finais adeuses...
O ritmo denominado pequeno alcaico é formado por dois dáctilos e dois troqueus, em versos decassílabos e soa tamtata tamtata tamta tamta. O tema escolhido corresponde justamente às temáticas preferidas por Alceu.
VIVEIRO IX -- A GARÇA
A quem compararei o meu amor?
À garça alada, de esplendor diverso,
Na elegância mais pura, ao bastidor
Espreitando meu destino, num perverso
Maquiavelismo de quem só busca ter
Um domínio total, uma perfeita,
Extrema garantia em seu poder,
Antes de ao homem se mostrar sujeita.
Porque essa mulher firme, essa beldade,
Esbelta e ágil, de casta envergadura,
Que corta os ares branca de vaidade,
Tem pernas magras e seu longo bico
Não vê que enamorado mais eu fico
Quanto mais a contemplo em minha ternura.
VIVEIRO X -- O MARTIM-PESCADOR
A quem compararei o meu amor?
Ao martim-pescador, de tantas cores,
Exuberante e esquivo em seus amores,
Avaro de mostrar seu esplendor...
Para os outros se veste, pois a mim
Quão raramente me engalana a vista...
Parece tão segura em sua conquista
Como se nem mais quisesse ter, enfim,
Como se nada lhe importasse e o alvo
Muito longe estivesse e, descontente,
Percorresse com a vista entre os escolhos
Onde melhor pescar, para que, a salvo,
Eu me sentisse, até lançar-se em frente,
Num mergulho certeiro até meus olhos...
VIVEIRO XI -- O QUERO-QUERO
A quem compararei o meu amor?
Ao grito contumaz do quero-quero,
O companheiro diário do pastor,
Cujo chamado escuto e então espero
Que faça rebrotar dentro em minhalma,
Um eco inútil, pois me desespero
De a conseguir prender, em meu austero
E casto suspirar, fingindo a calma
Instalada bem fundo ao coração.
Mas eu me agito tanto!... E segue a vista
Esse pássaro audaz, que cruza o prado,
Castanho contra o azul, bico aguçado,
Na busca de outra presa, que conquista,
A devorar tranqüila outra paixão.
AS JOVENS DE ROMA XI -- CYNTHIA
Sinto na boca o gosto do perfume:
Olor alado de esplendor funesto...
O tato de teu beijo, qual incesto
De um soneto a fecundar, só por ciúme,
Outro soneto, seu irmão de sangue ----
Um cria o outro, formam nobre raça,
Que livra de impurezas, clara taça,
Novo futuro de amargor exangue...
E nesse leito de versos revolvido,
Do sabor de teu beijo já esquecido,
Já nem recordo mais o que sentia...
Somente sei que a lâmpada se apaga
E é então que enxergo a luz, qual uma chaga,
Nessa alvorada de uma dor macia...
DOWRY
How long it took for you to let your face
Be handled by me, a plain portrait,
'It's not a good picture,' you said, 'it's a trace,
Although and it might satisfy your wait...'
Yes, it's small, 'tis very little, almost nothing,
But you care not that in alien hands
It might lay and bring a fit of cussing
That I shall hear alone, so it 'fends
My own tranquillity and peace of mind.
'Looks go away,' you said, 'I'm not pretty.'
Nor pretty am I, but how precious a heart
That beats in your breast and will mine grind
With faithfulness galore, a love gritty,
To compensate for all my pains and smart!...
VIVEIRO XII -- O CONDOR
A quem compararei o meu amor?
Já é mais árdua a escolha... Resta ainda
A indomitável herança do condor,
Nos montes a vencer distância infinda.
Sobe aos "mais altos píncaros da glória", (*)
Constrói seu ninho pela imensa altura;
Jamais se conheceu, em toda a história,
Outra ave de mais brava envergadura.
Nem sempre é mansa a fêmea do condor:
Defende o ninho com igual bravura
Às amazonas da épica cantiga...
E quando ela me assalta em seu fervor,
Sinto crescer em mim uma segura
Certeza desse amor de lenda antiga!...
(*) alusão ao ciclo da "poesia condoreira" do século dezenove.
FUSÃO
meu desejo é que todos os teus dias
azuis se tornem, não feitos de tristeza,
mas desse azul perfeito da beleza
que marcou a amplidão, quando sentias
por mim um meigo amor e percebias
que teu destino é meu; plena certeza
que meu destino é teu, nessa nobreza
compartilhada pelas nostalgias...
do que não ter se pode, mas querendo
que tal amor, de dimensão profunda,
um dia se consuma, em sangue e sol.
que tal amor, por que já estou sofrendo,
me afogue a alma, como a tua inunda
e mescle as duas, como num crisol.
AS JOVENS DE ROMA XII -- OVÍDIA
Eu realmente passo toda a noite,
Ou quase a noite inteira a delirar;
Eu sinto por meus dedos, num açoite,
Frase após frase doida a deslizar:
Que são recortes d'alma, esses poemas,
Me doem ao sair, pois me retalham...
O tempo me esfatiam, essas gemas,
A carne é o pão e é sangue que me espalham.
Não são apenas produtos de minha mente,
São nervo e ossos, grânulos de linfa,
São articulações feitas surdina...
E eu não descanso, nesse afã freqüente:
Ao vento e pela chuva, escuto a ninfa,
Nessa incorpórea voz que me fascina...
JARDIM DO ESPANTO IX -- A CAMOMILA
Não há nada de vistoso nesse amor:
É um gesto corriqueiro, tão comum,
Quase num chiste se descobre um
Que diferente seja em seu ardor...
Existe em profusão, em qualquer prado;
Singelas flores, de um odor discreto:
Dizem que acalma um coração inquieto
E que conserva os esposos lado a lado.
Não que desperte vascas de paixão,
Mas ambos tranqüiliza em seus pendores
E se dão mais valor e, assim, resfila
Arestas entre si... e traz perdão.
E eu fico assim, imerso em meus labores,
Pelos pés esmagado, tal como a camomila.