DIÁRIO SEM TEMPO
É manhã.
Quase morro ao acordar.
Lá fora uma cortina de chuva rendada
Impedia-me de ver o tempo,
O outro lado do tempo.
Não foi o tempo que comeu
Minha esperança,
O claro dos meus olhos.
É manhã.
Ainda sem tempo nos olhos
A chuva fina cai da minha mente
Eu não quero claro
(não é uma questão de visão)
Meu interior é cego
Corpo e mente não se entendem
Mordem-se
(dubiedade da alma)
Enciumados por mim,
Ponte intransponível.
Meu coração dorme, sono profundo.
Nada faço.
Não há vitória.
Mas é manhã,
Ainda é manhã
Não podia ser outro momento
É.
O tempo é e eu não
Sou no tempo,
Dependência do vago cômputo
Das horas,
Relógio que é.
Não faço sombra,
Não tenho cheiro
Não sou elo.
É manhã.
E chove necessariamente
Para mim.
Uma cortina de chuva rendada
Separa-me do tempo
(não da manhã)
Não de mim
Que não sou.