Síncope

Tudo é tão pouco

Minhas pernas longas batem em tudo

Hematomas cochicham as dores que não revelo

O teto é baixo demais

O ar é pesado e plúmbeo

A nuvem carrega um segredo hídrico

E gotejará a qualquer instante...

Tudo é tão ralo

É tão ínfimo

Tão praticamente imperceptível

As almas humanas que trafegam

entre roupas e palavras

Os olhares suspeitos a perscrutar

a tarde e as esquinas,

a fiscalizar as meninas passantes...

O pequeno instante que tirei a aliança

E me uni à liberdade infinita da solidão

Tudo é tão pouco

Insuficiente para conter num poema

Intangível à ponta do lápis afiada

Inconcebível aos práticos e aos céticos

Só o poeta pode ficar com o pouco e

estar satisfeito

E nessa insuficiência morre serenamente

a tarde de meus dias,

e depois a noite a acalentar extremos astros distantes

Lá fora, o inverno enverga as árvores na praça

E, o vento faz banir a vontade de sair e sorrir novamente.

Tudo é tão pouco...

que meu quarto parece imenso e

o meu silêncio uma mera síncope.

A síncope do pouco.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 15/08/2010
Código do texto: T2439492
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