Síncope
Tudo é tão pouco
Minhas pernas longas batem em tudo
Hematomas cochicham as dores que não revelo
O teto é baixo demais
O ar é pesado e plúmbeo
A nuvem carrega um segredo hídrico
E gotejará a qualquer instante...
Tudo é tão ralo
É tão ínfimo
Tão praticamente imperceptível
As almas humanas que trafegam
entre roupas e palavras
Os olhares suspeitos a perscrutar
a tarde e as esquinas,
a fiscalizar as meninas passantes...
O pequeno instante que tirei a aliança
E me uni à liberdade infinita da solidão
Tudo é tão pouco
Insuficiente para conter num poema
Intangível à ponta do lápis afiada
Inconcebível aos práticos e aos céticos
Só o poeta pode ficar com o pouco e
estar satisfeito
E nessa insuficiência morre serenamente
a tarde de meus dias,
e depois a noite a acalentar extremos astros distantes
Lá fora, o inverno enverga as árvores na praça
E, o vento faz banir a vontade de sair e sorrir novamente.
Tudo é tão pouco...
que meu quarto parece imenso e
o meu silêncio uma mera síncope.
A síncope do pouco.