CERCEADO

“...Eu sou filho do século, filho da descrença e da dúvida; assim tenho sido até hoje e o serei até o fim de meus dias. Que tormentos terríveis tem me custado essa sede de crer, que é tão mais forte em minha alma quanto maiores são os argumentos contrários”

Fiódor Dostoievski

CERCEADO

Recluso e detido olho calmamente as gotas que caem e brindam a noite

E me visto da noite mesmo sabendo que se obscura a lua

E me revisto diante do espelho de máscaras

Uma imagem surreal e tortuosa

Deformada e ardentemente dolorosa

Labirintos que brotam a minha frente

E desbotam a cor de uma perdição inocente

Se ainda sinto algo...posso traduzir em sede

Petrificado em sentimentos que talvez nunca tenha sentido

Talhado em pedra...sou pássaro...mas não posso voar

Cerceado à dor, sequer consigo chorar

Ranhuras do tempo que me parece tão curto fendem meu corpo

Mesmo quando me ofendem...renego-lhes o troco

Escondo-me no banheiro...um santuário maldito

Quem sabe ali alguém ouça meu grito

E caiam todas as máscaras que insisto em carregar

Qual o mandamento que diz que deveria sorrir no momento de matar

E sorrio enquanto me mato dia-a-dia

E se o contrário da morte não é a vida, porquê tanto insistia

Meu choro soa como prece diante de tudo o que acredito

E se creio em algo, ao menos deveriam me ter dito

E quando nasce o sol o que vejo é o belo e o maldito

Viajante eterno de uma poesia que jamais deveria ter escrito

Errante e solitário de viagens que não deveria ter voltado

Louco...alucinado, saudoso naquilo que juro nunca ter encontrado

Se me defronto com a dor...foi por tanto a ter procurado

Se roubo da vida...certamente por ela fui roubado

Se acaricio minhas chagas é porque elas são o que me restam

Se me ocorre amar...confronto-me com tantos que me detestam

Se são baratas são minhas teses as faço porque paupérrimos são os que as contestam

No frenesi das paixões encontro os momentos de alento

E por mais que insistam...por paixões eu lamento

Na autopoiese do universo eu me encontro

E como ele eu me expando e cresço

Talvez ser feliz seja algo que eu não mereço

Mas sei que assim como o cosmos...morrerei no ponto de equilíbrio

Pois se um dia me escondi em busca da vida

Vi-me alucinado em busca da morte

E no instante exato que encontrei a morte

Vi que viver era o que eu mais queria...

Sérgio Ildefonso 01 de março de 2005

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Sérgio Ildefonso
Enviado por Sérgio Ildefonso em 15/08/2010
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