Porque
Porque o que quero,
minhas palavras não sabem dizer
Porque o que sei,
minhas ações não sabem revelar
Ando em desalinho, cabelos ao vento, rosto lavado
Expressão sonolenta, arrastando pelo corpo alguma alma
dependurada no varal da distração,
trajada em borralho
Porque o que meu coração precisa,
só há na selva,
no silêncio incrustado das montanhas,
no brilho secreto dos cristais.
Nos invernos mais frios e densos
A congelar a sensação de fastio e de afeto
Um gesto, um aceno
Um quase sorriso, um olhar pontilhado
de saudades e de remorsos
Porque o que sinto,
não tenho como lhe dar
Nem lhe falar,
Nem lhe revelar.
Os muros de minha consciência estão pixados.
de palavras de baixo calão.
Estão sujos pela indiferença peregrina
Porque não tenho os medos comuns
e humanos
Porque não vejo o que apenas me aparece
Nem o que a luz apenas bafeja
Leio nas trevas dos olhos alheios
segredos pungentes.
Na tarde do outono leio ainda
a vida que se esvaiu por dentre as folhas.
Secas e reverberantes ao vento, e
as tempestades.
Porque não posso partir simplesmente
Ainda que tudo seja finito,
seja fugidio.
Seja uma gota molecular
num imenso horizonte
perdido de suas mãos.
Seja um orvalho bastardo
numa manhã acidental.
Porque tudo que sinto,
não podem as palavras
traduzirem
sem traírem com fonemas e semânticas.
o que só o silêncio escutou.