O Tempo Perdido
Não entendo o desencanto
que sobrevive em mim.
Não compreendo
não me submeter ao cansaço do corpo.
Tola é minha rebeldia.
Bem pouco posso fazer.
Ainda que houvesse
o milagre da intervenção divina,
seria mais uma carga insuportável
por minha alma alquebrada.
Chega de milagres,
chega do ser humano,
nem Pai e nem Filho.
A taça de vinho amargo,
o cálice da dor é sempre tudo que restará.
E tudo se faz de forma tão lenta,
como se o mal caminhasse como coelho
e o bem em lentos passos de tartaruga.
O mal é tão fácil, o bem tão difícil.
Não queria escravizar-me
ao maniqueísmo recorrente,
mas assim parece.
Pois que bem e mal convivem
de forma utilitária
na evolução humana.
Hoje há momentos
em que pareço entender,
mas o coração está velho.
Os sentimentos estão ultrapassados,
são zumbis que perturbam a alma.
Talvez esteja sendo
escravo de meu próprio egoísmo,
talvez apenas tentando
defender-me, numa tentativa
desesperada de sobreviver.
E então pergunto-me
por que tamanha
insistência de minha parte.
De modo geral tal atitude
parece ser apenas um ato protelatório,
um meio de evitar aquilo
que a presunção de mim
pensa pressentir.
A solidão é a
melhor companheira da consciência
que hoje parece tranquila,
mas exausta, incapaz
de qualquer proselitismo
do que quer que seja.
Os combates já foram travados,
a guerra está perdida.
E de fato isto tudo parece
não ter o significado que já teve.
O vazio da alma já não se oculta,
exausta de almejar a harmonia coletiva.
Parece mais disposta a abraçar
a ilusão da paz que nunca existiu.
O destino dos nascidos para a guerra
haverá de ser sempre a luta.
Para estes a paz será sempre distante,
e sabe-se lá se no fundo a desejam.
Talvez exaustos da eternidade
desejem que a efemeridade
seja o tempo suficiente.
Mas a eternidade não tem tempo,
existe por si só.
Não convida,
nos é indiferente,
não ri ou chora,
apenas é.
E isto parece ser tão suficiente
que elimina todas as forças.
Não há mais o que ser discutido,
isto é apenas protelar,
figurar entre os entes
que fizeram um papel qualquer na história.
Atores de tantos textos já esquecidos
pela graça da falta de memória,
que faz distantes as razões,
que faz estar vivo
quem desejaria não estar.
15/11/2006