A Noiva das Águas

O Velho Monge desliza inquieto

Rumo a seus afluentes

Sobre o leito passando

Tal como passa o tempo

Os cascos das canoas navegam

Levando e trazendo gentes

II

As águas têm vida se movem

Através das coroas no cio solar

Constantes vão, descendo a corrente,

Espumas, dejetos, esgotos, sabão

Passa por cidades várias

Banhando vidas urgentes

III

Na pequena cidade acolhe

As largas ilhargas das

Viuvinhas-de-nossa-senhora

Chega-se às coxas de cócoras

Das lavadeiras do cais

Batendo a roupa e as horas

IV

À boca miúda comenta-se

Por que aquela mãe chora

O filho afoito se foi, na calma

Valei-me minha Nossa Senhora

Mais além o vaqueiro lamenta

A novilha sumiu na superfície

Para o fundo leito das águas

V

O rio, Abade de Barro

Improvisa seu ir adiante

Sobre o leito indiferente

Percorre terras distantes

Não pode se ater comovido

Aos apelos dos humanos

Como um velho claudicante

VI

E nesse porto movimentado

O olhar do Velho Monge observa

Quando o barqueiro Caronte

Em seu barco largo carrega

Pessoas vestidas de domingo

Como se fossem a uma festa

Flores nas mãos, fitas na testa

VII

Caronte, calado, a tudo observa!

Barqueja há tempos

Conduz homens e feras

Sobre o marulhar da água

A canoa voa impulsionada

Por seus braços navega

Vê indiferente a alegre esperança

Nos sorrisos ingênuos da galera

VIII

A pequena barca

Viaja na superfície ondulante

A vara que a conduz

Penetra fundo nas águas

Cada impulso é um segundo

Que passa para a noiva de branco

Nas mãos a grinalda de flores

Os cabelos o véu esconde

IX

Cada vez que Caronte penetra

A vara na água, as faces coradas

Da noiva mais ruborizadas ficam

A estranha sensação a conduz

E essas vertigens a incitam

Seu olhar foge do de Caronte

Suas pupilas as dele evitam. Ela

Olha o cais como quem se esconde

X

Deseja preservar-se para as bodas

Repetir no altar diante do padre

Ser fiel na riqueza e na pobreza

Na saúde e na doença

Na alegria e na tristeza

A vara do barqueiro indo e vindo

Para dentro e fora do rio

Causava à noivinnha

Certa perturbação no cio

XI

A travessia está no fim

A noiva chega sob aplausos

Não mais tão virginal

O figo fruto pudendo lhe doía

Quando a vara do barqueiro penetrava

As águas barrentas do rio

O recato e a pureza lhe fugiam

Enquanto os convivas saíam apressados

As pernas tremeram, sentiu calafrios

XII

O noivo de terno e gravata

Esperava à porta da ermida

A noiva estava vexada

Os sinos do ritual zuniam

E Caronte gentil desejava

Que os noivos fossem felizes

Enquanto o padre hospedava

Nos bancos seus convivas

O barqueiro navegava

Para a 3ª Margem do Rio

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 17/04/2010
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