Espelho, Espelho Meu. . .
Espelho, Espelho Meu...
Sou poeta das pessoas que não podem ser
Senão noite e anoitecer. Soterradas, enquanto
Caminham solitárias pelas ruas calçadas
Com a carteira assinada que o patrão bateu.
Sou poeta da cidade viagra. Das pessoas que
Se vestem de domingo para saírem nuas
Pelas ruas da cidade de fardos. Desprotegidas,
Devoradas pelo monstro oficial do Mercado.
Sou poeta das pessoas estilhaçadas. Sem jeito
De amanhecer na ferida aberta do cansaço
As digitais mumificadas, extensões pegajosas
Suadas, de seus nervos frágeis, de aço.
Sou poeta da inconsciência rota, que caminha
Virtualizada e calada, do grito de dor que não
Pode ser proferido pela boca. Soterrado, invisível
Insuportável incoerência dessa coleta pouca.
Sou poeta desse pano de boca ocultando a cena
Nesse espaço íntimo e calado da necessidade de
Sobrevivência. Adiando o prazer subterrâneo, o
Desejo reprimido sem carícias. Só carência.
Sou poeta soterrado pelo tecido conjuntivo
Dos milhares de esqueletos antepassados
Tentando conduzir meus passos sobre essa
Conspiração de vértebras côncavas de ambas
As faces convexas. . .
Sou poeta que não canta o tempo passado
Que deseja tirar o futuro de debaixo
Desse tapete tecido de tempo antiquado
Desse lugar onde só se dividem os restos
. . . Mortalhas de ontem.