Espelho, Espelho Meu. . .

Espelho, Espelho Meu...

Sou poeta das pessoas que não podem ser

Senão noite e anoitecer. Soterradas, enquanto

Caminham solitárias pelas ruas calçadas

Com a carteira assinada que o patrão bateu.

Sou poeta da cidade viagra. Das pessoas que

Se vestem de domingo para saírem nuas

Pelas ruas da cidade de fardos. Desprotegidas,

Devoradas pelo monstro oficial do Mercado.

Sou poeta das pessoas estilhaçadas. Sem jeito

De amanhecer na ferida aberta do cansaço

As digitais mumificadas, extensões pegajosas

Suadas, de seus nervos frágeis, de aço.

Sou poeta da inconsciência rota, que caminha

Virtualizada e calada, do grito de dor que não

Pode ser proferido pela boca. Soterrado, invisível

Insuportável incoerência dessa coleta pouca.

Sou poeta desse pano de boca ocultando a cena

Nesse espaço íntimo e calado da necessidade de

Sobrevivência. Adiando o prazer subterrâneo, o

Desejo reprimido sem carícias. Só carência.

Sou poeta soterrado pelo tecido conjuntivo

Dos milhares de esqueletos antepassados

Tentando conduzir meus passos sobre essa

Conspiração de vértebras côncavas de ambas

As faces convexas. . .

Sou poeta que não canta o tempo passado

Que deseja tirar o futuro de debaixo

Desse tapete tecido de tempo antiquado

Desse lugar onde só se dividem os restos

. . . Mortalhas de ontem.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 17/04/2010
Reeditado em 24/10/2020
Código do texto: T2203235
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