Four De Cem
“E o que é armadilha pode ser refúgio.
E o que é refúgio pode ser armadilha.”
(Ferreira Gulard)
Há os que para viver se abastecem
Tanto faz o inibido quanto o afoito
De um simples aceno de esperança
E não mais precisam do que não seja
A esperança de um aceno mínimo
Esperança feito praxis
Nunca da complacente esperança do gafanhoto
Há os que para subviver
Não mais precisam
Senão apenas da pouca riqueza
Do somente pouco mas suficiente
Alaranjado nascente
Da estética naturalista da vão natureza
Há também os que se satisfazem
Em entoar e ouvir os Rolling Stones
E acham suficiente o se abastecer
Nos meandros dos laticínios
Nas galerias dos supermercados
Ouvindo liricamente John Lennon
Transformar o mundo transformado
E Bob Dylan cantar em verso
O admirável mundo novo poente
Há ainda os que, por mais que façam
Nunca se salvam da companhia da traça trapaça
E muito menos de se satisfazerem com o humor
Dos palhaços do circo negro da sorte
Comprazem-se do prazer de agradecer
Sadomasoquista, a mente pervertida no asfalto
A delícia rotineira do aplauso
Essa outra metade do salário
Que compra e nebuliza 90% da mente
Há portanto, tantos portadores de rimas de terceiros
Que individual e coletivamente esquecem
Ou se lembram quando querem
De que a perspectiva do porvir não se compra
Pobre futuro que se confirma no salário:
Essa mesada oficial que paga imposto à bomba
Aos salários dos policiais do narcotráfico
Que inflaciona o horror do noticiário
Com as notícias rotineiras do impostor democrático
Há felizmente os que percebem
Que o globo e o sétimo lobo rimam
Sonoramente se harmonizam em prosa e verso
E jogam o jogo rotineiro da vida
Como quem desconhece o “gestus”
Que anula e igual, mente, afirma
A vil filosofia dos que proliferam
No mesmo espaço-psi no qual fenecem
Os cavalos loucos estão soltos. Não há régua
Nem rédea que os meça e dome