Reminiscências
Mais um ano passou. Nós também passamos.
Os que foram felizes talvez nem perceberam.
A felicidade, por vezes é fugaz; Aos privilegiados é duradoura.
Eis-me agora, enclausurado no ventre da noite,
escrevendo mais uma estrofe na poesia da vida.
Os balões e as velinhas ainda alimentam minhas quimeras.
Os cabelos, quando começam a embranquecer,
prenunciam chegada do inverno.
Que traduzem? experiência...solidão...frutações...
Os meus, dão-me a impressão que já nasceram encanecidos.
NÃO MAIS COMPLETO ANOS. OS ANOS ME COMPLETAM.
A visão está turva. Somente com o artifícialismo dos óculos consigo ver o verde da vida. Entretanto, continuas, antes meus olhos baços,
refulgente, graciosa e atraente.
As mãos estão tr?emulas, porém quando te abraço,
ao tocar teus seios, percebo (ou talvez me engane) que meus braços têm o vigor dos atletas.
Meus passos estãoa trôpegos, todavia, quando vou ao teu alcance, sinto no corpo a vitalidade de um menino que não conhece o cansaço.
A mente está confusa: esqueço nomes, troca datas,
contudo, teu nome continua mais constante - do que nunca.
A audição está imperfeita: preciso ouvir mais de uma vez para fixar este ou aquele som, entretanto, percebo nitidamente a sutileza de teus passos e o pulsar de teu coração.
O coração está cansado, mas quando te vejo
(ainda que não percebas) ele reaje...quer voar como um colibri.
Mais um ano passou. Os filhos cresceeram.
Alguns sonhos nasceram e outros tantos morreram.
Em meu rosto o sinal dos tempos se traduz em rugas que não
recuarão. Mesmo assim, mais velho, mais cansado, mais sofrido,
mais esquecido
- não deixo de escutar teu peito ofegante;
- não deixo de sussurar teu nome;
- não deixo de sentir a volúpia de teu corpo;
- não deixo de perceber os detalhes que te tornam diferente;
Isto me leva a concluir que a mat´ria extenuada não atinge
o espírito. Não se vê apenas com os olhos, não se toca apenas
com as mãos...
O AMOR transcende a todos os sentidos
- os cegos também amam...
- os surdos amam também...
- amam também os mudos...
- também amam os paraplégicos...
E eu, ainda que fosse destitu[ido de todos esses sentidos,
criaria mais um em que através dele pudesse saber que a vida
continua a ter sentido porque TE AMO.
Jorge Moraes - livro: Acalantos