Crepúsculo
Tendes razão, minha princesa.
Sou realmente impaciente, não sei esperar por nada.
A alma, turbulenta, labuta dentro de mim, desesperada.
Esbraceja neste caudal violento, mergulha nas turvas águas da incerteza.
As tempestades espoucam, ameaçadoras, no horizonte.
As luzes rareiam, a casca de noz, trêmula, prossegue em sua jornada.
Não há recuo possível: todas as cartas (velhas cartas marcadas) foram apresentadas.
Os cães se apressam: ávidos dentes a mostra. Há que se criar novos caminhos, manter altiva a fronte.
Não há que se questionar coisa alguma; apenas seguir em frente, resolutos, antes do chegar do crepúsculo, a rota que nos é traçada.
Rebelde que sou, não me prosterno a deuses que não reconheço: mereço bem mais do que um simulacro de fé.
Então, minha princesa, recito-lhe um antigo chavão: para um amor que se finda, não se põe luto. Cabe-nos só aceitar o amor que vier.
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. Na vida, também não é diferente: tudo está sempre a mudar em nossa áspera caminhada.
Zenon de Eléia, que viveu aproximadamente há 500 anos antes da Era Cristã, cunhou a frase relativa à impossibilidade de nos banharmos duas vezes no mesmo rio, fato que demonstra a impermanência das coisas e seres, alicerce da filosofia budista. Nós, homens modernos e embebedados de materialismo, vivemos querendo confrontar a natureza do Universo, tentando, infantilmente, tornar o perecível eterno. O que podemos fazer é amar e viver com intensidade, mergulhando com alma nas coisas que nos propomos a fazer. Qualquer coisa diferente disso, para mim, não é vida. É apenas simulacro de vida.
Cidade dos sonhos, noite da ultima Terça-Feira de Fevereiro de 2010
João Bosco