Rendição
Rendição
Baixei minhas armas: entreguei-me a evidência.
Meu coração, em pedaços, aos corvos se atira.
Abdiquei da cicuta-verdade, sorvi, até a última gota, o néctar da mentira.
Fugiu minha combalida razão: desertou, apavorada, a revel paciência.
Não há grandiloqüência no púlpito da solidão – em seus porões só o abandono impera.
Rimas fáceis são como frutas apodrecidas, risos sem motivos, sexo sem tesão.
A cidade pulsa destrambelhada, gente se atropelando aos borbotões, hora do rush - formigas sem direção.
Não há majestade na renúncia: hienas se alimentam de restos – mortos insepultos o túmulo espera.
A prostituta doente tropeça, embriagada; mais uma imagem que nos aparece desfocada, um tanto irreal.
O colar de pérolas enfeita o pescoço da madame: foi pago em uma noite de gozo – gozo que se requer diferente.
O leito sem sal premia o casal aposentado, anos de lamúrias vividos – peças desarticuladas de um jogo demente.
O que fazer? Pergunto-me atarantado. Simplesmente não sei: não há saídas possíveis – tudo deságua num esgoto letal.
Há momentos na vida da gente que só um palavrão, daqueles bem cabeludos, é capaz de aliviar, mesmo que momentaneamente, a nossa frustração diante do que não podemos mudar. Quando me sinto assim, não economizo – gasto toda a minha cota de palavrões.
Terras de São Paulo, manhã do último dia de Janeiro de 2010
João Bosco