Nada tenho
Nada tenho comigo
Trago a alma pendurada
no prego da existência
A balouçar pelo humor dos ventos
Nada tenho comigo
Na bolsa, na carteira ou
No crayon dos olhos...
Trago o risco do olhar
A voz forte e meio grave
E a boca a pronunciar sentenças
Sem o bater do martelo
Nada tenho comigo
Nem as lembranças,
Nem os amores antigos,
Nem fotografias amareladas
Nem poemas mortos
Encarcerados em primaveras findas
Ou invernos em forma de cristais.
Nada tenho comigo
Nem a liberdade de dizer,
De fazer, de querer...
Meu desejo é do tempo,
Meu prazer é estória.
Meus passos são da estrada...
E transitam pelo destino e pelo
Abismo do mesmo jeito...
Nada tenho comigo
Essa infinitude contida entre as mãos
Esse arco da promessa
Por debaixo dos arco-íris
Queria ouvir a voz do guerreiro
Sua humanidade sofrida,
Suas mazelas latentes...
Seu ranger de dentes
E sentir em seu corpo
O depoimento de delito ou bravura
De êxtase ou decepção
Mas ouvir-lhe...
Seus fonemas castrenses
Suas lanças ponteagudas
A lançar corpos
na morte em cárcere
A lançar corpos sem almas
A lançar silêncios
em meio ao turbilhão.
Com a mesma exatidão da
Palavra.
Queria meu guerreiro particular
E, o escudo da esperança a
Me poupar do desespero.
Nada trago comigo,
Somente esse poema.
E a incógnita do lirismo.