EU ERA A HUMANIDADE INTEIRA
Um raio absurdo e de titânicas ramificações caiu do céu
O raio abriu uma cratera na rua de onde brotou uma fonte.
Ainda não anoitecera, mas era como se fosse noite.
Antes fosse apenas noite
E eu nada podia fazer.
Ergui minha voz presságia, e minha voz era inútil.
Gritei e ninguém me escutou.
Minhas preces não serviam mais para nada.
Antes aquele raio tivesse aniquilado minha voz.
Uma ventania de implacável violência e quente
como as labaredas dos desertos arrancou-me os cabelos.
Muito antes disso, os sopros do inferno humano
já haviam crestado todos os meus sonhos.
Agora somente sinto o cheiro de queimando
de suas asas sobre o meu pesar.
De que serviram todos os meus sonhos?
Antes aquele raio tivesse aniquilado também o cheiro das asas inúteis dos meus sonhos...
Meu coração cansava-se de bater.
De tudo o que tivera sentido,
de tudo o que tivera amado,
fora tudo absolutamente inútil.
Eu era um membro da humanidade.
Eu era toda a humanidade.
Um inútil.
Antes aquele raio tivesse caído sobre a minha cabeça.
E os meus pensamentos incendiaram de súbito
quando pensei em tudo o que eu havia feito.
Contemplando estarrecido a total ausência de vida,
julguei-me culpado de todas as culpas,
de todas as mortes,
de toda a destruição.
E aqueles rostos dantescos e apocalípticos dos monstros e fantasmas
que eram agora minha única companhia
nunca deixavam de fitar minha face tragicamente
refletida no céus de todos os desastres.
Irradiava-se uma espantosa malignidade daqueles rostos.
Eles culpavam-me, julgavam-me, sentenciavam-me
como o responsável pelo Fim.
Li o livro da vida
e fui ferido pelas infelicidades próprias e alheias
sentindo que era incapaz de suportar o peso esmagador de tanta coisa acontecida.
Fitando o horror que eu havia herdado,
chorei condenadamente.
Estertorando, ajoelhei-me e implorei misericórdia
Restava só eu no mundo, eu era a humanidade inteira.
Eu era a humanidade inteira.
**Inspirado no conto de Alessandro Reiffer