O deserto do não-ser

As lâmpadas alaranjadas eram intensas:

Eu podia vê-las como pontilhados no céu.

Pontos luminosos de chamas densas,

Eram elas que costuravam aquele negro véu.

As casas quietas passavam devagar,

Enquanto eu caminhava só.

A estrada interminável a se esticar,

Tudo à minha volta era pó.

Ninguém à frente;

Ninguém atrás.

Só eu e a estrada,

E esse longo caminho que se faz.

Várias árvores mortas,

Enegrecidas, de galhos secos,

Davam voltas, e voltas...

Pareciam paradas pelo tempo.

E uma lua enorme e cheia,

Derrama-se em espectros dançantes.

Não, não se vá!

Não quero sozinho estar...

Mas o meu caminho é esse:

Estar sozinho por agora,

Por agora e para o sempre,

Nesse eterno negro e sem aurora.

Não há vida nesse lugar,

Não há luz nesse luar.

Onde devo chegar?

Ninguém vai me ajudar?

Estou só, e como sempre estive,

Nessa paisagem de abutres.

Ouvindo altos sinos,

Que bradam os destinos.

E nessa multidão de sons e sombras,

Onde a vida não habita,

Lamento a vida dos que se foram.

Contemplo a vida daqueles que ainda virão.

Pois serão aqueles que trarão a luz verdadeira:

Diferente destas lâmpadas industrializadas,

De um lugar sem partida,

De um lugar sem chegada.

E não posso parar,

Por isso sigo em frente.

Nessa longa estrada à noite.

Onde não há companhia,

E o vento é como um açoite.

Onde a solidão é eterna,

Onde o calor hiberna.

Pois as sombras que me rodeiam,

Se adensam e se inclinam,

Curvam-se

sobre mim.

E não sei

quem sou,

Não sei o

que fazer.

Estou perdido,

Perdido num deserto negro,

De luzes alaranjadas e brilhantes

Que só me

Aprisionam

E enganam,

Com suas

Ilusões do

Ser humano.

Nesse deserto

De concreto

Sem prazer

De fulano,

Do não-ser.