O VERDUGO DE SI MESMO
Eu me castigo
Com a frieza do mais vil carrasco
Com a violência do mais cruel injustiçado.
Minhas mãos são minha própria punição.
Todas minhas dores são
Infligidas por mim mesmo.
Como castigo pela paz
Que não me permito sentir.
Meu sangue é minha expiação.
Minha cara no espelho
Minha envergonhada confissão.
Sou meu pior castigo.
Um eterno ímpio.
Minha boca só me injuria.
Meus olhos sempre me traem.
Os meus passo sempre caem no abismo.
Cuspo na cara sorridente da felicidade.
Entrego-me docilmente as vermelhas
Garras da dor.
Tropeço violentamente na serpente
Traiçoeira do amor.
Espanco a luminosa esperança
E vôo sem asas pela escuridão.
Riu-me da fé.
Valho-me da desilusão.
Banho-me de misérias.
Rastejo-me no chão
Para rasgar, humilhar e destruir
O meu luminoso coração.
Vivo por dádiva ou maldade divina?
Cambaleio embriagado pela dor
Nos cantos escuros e sujos da cidade.
Um riso convulsivo e idiota
Sustem-se em meus crispados lábios.
Os pensamentos se transformam em
Um emaranhado de desgraças.
Curvo-me sobre o doloroso
Peso de existir,
Meus joelhos estremecem e
Dão passagem ao medo.
As certezas se desvanecem
As perguntas se esquecem.
Os sentidos estão perdidos
Em um mundo de paradoxos.
E mais uma vez eu gargalho
Transformando o meu sulcado rosto
Em uma careta feroz,
De nojo, dor e desprezo.
Sou um libertino.
Todos os meus sorrisos são deboche.
Vanglorio-me quando desvendo o mal.
E quando não desvendo, afirmo.
As minhas palavras são
Materiais, sujas e literais.
Não tenho nada como
Certo, eterno ou imutável.
Vivo num profundo e inconseqüente
“Quem sabe?”
A pergunta que lançou
Satã ao inferno.
E lançado na perdição
Orgulho-me de minha devassidão
E vejo como virtude minha solidão.
A preguiça e a inteligência
São os meus guias
Nesta escuridão.
A curiosidade do mal
Essa enfermidade infame
É a senda estreita pela qual caminho.
A duvida, o medo e o exagero
São os deuses que
Me dão proteção.
Vede o retrato que de
Mim vos faço.
Vede a face maligna
Que vos apresento.
Sorriam para ela
Ou
Então calem-se embasbacados
Diante deste insondável e
Miserável mistério.
Não espero misericórdia ou condenação,
Não preciso de piedade ou de irrisão.
Eu sou meu próprio verdugo,
Minha própria reconciliação
E minha própria recompensa.
Não existe Deus,
Não existe o Diabo
Em todo meu rastro de
Lágrimas, dor e desilusão.
Sou meu próprio anjo
Coberto de glorias e luzes celestiais.
Esplendente como os primeiros
Raios de sol que brilharam
Sobre a recém nascida e
Enrugada face da terra.
Sou meu próprio diabo
Coberto das mais vis injurias
Chamuscado pelas mais vergonhosas
Chamas infernais.
Sou aquele que beija febrilmente
A boca escarlate do mal.
Sonhando em doces devaneios
Estar nos braços caloroso e
Confortáveis do bem.
Um eterno perdido
Na densa e escura
Floresta do ser.