sede
Tenho sede
Sede de vida
De água
De arte
Sede infinita
Pois a vida em mim
Morre todos os dias
Renasce a trégua
Numa guerra contínua
A rua bordejada de calçadas
Perto de onde corre
o tráfego
Intenso de sons, corpos e carros
Odores, silêncios e flashes
Instantâneos, solúveis e voláteis
A esparrar-se pelos lados, pelas arestas
pela dúvidas.
pelas crueldades incestuosas.
Tenho sede
De pecado
De almas pulsando vivas
Dentro do contexto cego e obtuso
Tenho sede
De reticências líricas
De poemas inacabados
Do verso em anverso
Rimando pelo avesso
Tenho sede
infinita
De horizontes sem sóis
De chuvas entardecentes
A cimentar o cume das montanhas,
O fundo do abismo,
E o topo da ilusão
A pairar solitária ao lado
Da única nuvem que vejo.
Tenho sede
Sede de vida
De água
De mar
De calma
Sede infinita
Pois a vida em mim
Morre todos os dias
com calma e candura
E, renasce estranho o silêncio
dentro duma
guerra surda e contínua.
Não há heróis e nem vítimas.
A rua bordejada de calçadas
e repleta de pedintes, meninos sujos
e meninas vendendo sexo
Perto de onde corre
as correntes sanguíneas repletas
de dna, histórias e medos,
de primaveras privadas de flores e cores,
de amores
instantâneos, solúveis e voláteis
A esparrar-se pelos lados,
por todas as arestas,pelas arenas,
transbordando o que ainda é sede
nesse imenso deserto que há
dentro de nós.
Tenho sede
de pecado
de luxúria
de vaidades que não tive.
Tenho sede
dos versos escritos em latim
dos missais ritualísticos
comiserados pelos poetas
excluídos e esquecidos
Tenho sede
infinita
De noites sem luar
De chuvas abrasivas
A desaguar o mar que há
no fundo do abismo
E a ceifar a esperança que
paira solitária bem ao lado
única árvore que vejo.
Quando acabar minha sede,
acabou-se a vida.
acabou-se as primaveras e os icebergs
acabou-se a necessidade de ser e de estar.
De beber o momento sorvendo os segundos,
com olhos, ouvidos, boca e pele.