Transparência

Ai, Senhor de todas as mordaças,

retira a minha.

Deixa que eu fale, grite, me estremeça

no desespero vão de ser tão só.

Mordaça minha, dona dos nãos,

imortal fera que me come os gestos,

palavras e anelos

até o mais fremente silêncio:

desde este dia, de agora,

tão, mas tão vazias descubro estas mãos,

que nem a prata toda dos risos,

o ouro global dos abraços

e a brisa frisal dos murmúrios

as encherão de um sincero bem.

És, portanto, inútil, mordaça minha.

Absolutamente nada --- já nem digo ninguém ---

de mim se enternece, mãos abertas, mãos.