Domingo de Carnaval

Sete da manhã: meu celular não me acordou.

Sete não é par.

A memória do meu mp3 foi para o espaço.

Não há uma música para se ouvir. Nem uma só.

Hoje Mick Fleetwood não dirá que You weren't in love.

Nem Flávio Venturini me falará de Todo azul do mar.

Minha caixa de e-mail está vazia. Não há mensagens.

Nem uma só.

Pela janela o clarão do dia me convida a respirar.

Abro a porta e vejo o Sol, que entre árvores e casas

levanta-se e se esforça para chamar minha atenção.

No céu há o Sol e só. Não há nuvens.

Nem uma só.

Sobre o gramado verdinho voa atônita uma borboleta amarela.

Silenciosa e só.

Ao longe ouço o ronco monótono do motor de um avião.

Logo o vejo cortar o azul ofuscante do céu.

Grande e só.

Na árvore mais próxima ouço o mantra tristonho de uma cigarra.

Uma só.

A rua é um deserto.

Nenhuma dona de casa vai apressada em direção à padaria,

nenhum trabalhador à parada do ônibus.

Não há crianças tagarelando em direção à escola.

Tudo é silêncio. Silêncio só.

Em meu canteiro floresceu uma rosa vermelha.

Uma só.

Chega um pardal para aproveitar a água com que rego as plantas.

Um só.

Todos os vizinhos estão fora ou silenciosos.

Nenhum barulho. Nem um só.

Dos meus olhos cai uma lágrima. Uma só.

É domingo de carnaval.

Só há carnaval no uma vez no ano.

E é demais uma vez só.

Formatarei meu mp3.

Guilherme Arantes voltará a cantar Amanhã.

Uma mensagem animadora chegará.

Não tardará nuvens fofas farão companhia ao Sol.

Haverá uma revoada de borboletas.

Naquele avião não há o piloto só.

A cigarra aprenderá a cantar rock.

Em minha roseira há muitos botões a desabrochar.

Quem viajou logo voltará.

Mas a lágrima que cai dos meus olhos

já terá feito de mim uma ilha.