A estátua de sal
Onde andam minhas certezas?
Me vejo tão quieta,
Quando diante de mim mesma...
Tão distante de mim que me dói a alma.
Nessas horas de estranho desassossego,
Onde finjo calma,
Onde só há medo...
Percebo o quanto é estranho
Esse vazio do meu olhar.
A imagem no espelho renego,
Minha voz torna a calar.
Onde me perdi, afinal?
E como ei de me encontrar?
Sensação estranha é sentir,
Depois de tanto tempo sedada.
É como se,
De uma hora para outra,
Retomasse uma estrada...
E não soubesse para onde ir.
Entre linhas que brotam do nada,
Em minhas madrugadas insones,
Não ouso dar ao que me rói um nome...
Até porque não sei exatamente o que é.
Não conheço este estranho sentir,
Que invadiu minha morada.
Devo deixar isto partir,
Enquanto olho através de uma janela embaçada?
Ou devo usufruir do momento,
Deixar o mel destruir a mim, estátua de sal?
Sou eu, por bem ou por mal,
Que me deixei assim ficar.
Eu, estátua de sal,
Simplesmente parada,
Qual punhal fincado no meio da estrada,
Pro tempo roer e enferrujar.
Mas o imprevisto me trincou...
A mim, estátua de sal, quase quebrou,
Mas ainda não conseguiu me despedaçar.
Afinal, eu resisti a várias tempestades.
Ignorando ventos, chuvas, dores e saudades.
Inerte,
Silenciosa...
Sempre alheia ao mundo que teima em girar.
Qual estátua de sal minha alma permanece,
Mesmo trincada.
Uma defesa de uma mulher desesperada
Que não quer mais sentir,
Que teme o porvir,
Que não sabe mais de nada.
Ao mesmo tempo, porém,
Minha base estremece.
Nada mais é o que parece,
Se alguém olhar de modo atento.
O mel rói o sal melhor que o vento,
Amolecendo a mortalha que me envolve,
Que protege meu interior vibrante,
Que ainda está lá.
Porque o mundo me surpreende ainda,
Porque minha existência não finda,
Presa aos livros que me impulsionam ao sonho
Ou as palavras que me ensinaram a voar?
Porque me empurra morro abaixo assim,
Tentando extrair algo de mim...
Algo que temo tanto libertar?
Estátua de sal é o que sou,
Mesmo trincada
E roida pela vida.
Mesmo que o mel seja prenuncio de chegada,
Porque o sentir quer nova alvorada,
Se o anoitecer pode não tardar?
Estátua de sal,
Escudo tão pesado...
Pelo vento marcado,
Pelo tempo a passar.
Em brados silenciosos, desafia...
Enche-se o ar de maresia,
Saturando de sal todo ar.
"Que venha o vagalhão que me dissolverá!
Que venha o incerto amanhã,
Com um novo caminho a trilhar..."
Que se liberte a luz da mortalha que ergui,
Que eu me quebre,
Me livrando do escudo de sal.
Sina incerta, pro bem ou pro mal,
Que me faz rir, tremer e chorar.
A doçura e ternura quase que vícios,
Dos quais fujo, tento evitar...
E se eu nunca souber quando parar?
E se o que for liberto não tiver propósito algum?
Não seria melhor ser estátua de sal,
Senhora de lugar nenhum,
Do que luz e vento, que não sabem seu lugar?
Ah, pergunta maldita, que não quer calar!
Ah, resposta que a vida nunca dá!
O caminho tortuoso e incerto,
E tudo com o que eu tenho para lidar...
Para onde partir,
Se não há mais para onde escapar?
Prisioneira entre restos,
Encarcerada em sal para me proteger da dor,
Quase que caída em inconsciência...
Afinal, amargura é quase um torpor...
Mas se abala diante de paciência e amor,
Embora teime em não se quebrar.
Isso é coisa pro tempo,
Pro ser, pro estar...
Pra algo além do que o sal aguente.
Mas a luz se insinua, quase contente,
Enquanto o vento tenta assobiar.
É lá fora, no mundo, que ambos queriam estar...
Mas minha covardia no sal os prende.