Mágoa
Como se pode perder
Quando se está perdido?
Como pode o infinito
Lhe parecer sincopado,
Anoréxico,
Cianótico.
Sufocado por ausência de ar.
E, imerso em lágrima e agonia.
Venta lá fora,
o assobio fino da ventania
sibila as árvores
Segredos do tempo.
Chove brandamente
Como uma borrasca surrealista
A tracejar a paisagem de cores
pálidas ainda de outono...
Voam as folhas mortas,
Banidas e amarelas,
Algumas vermelhas
sangram a dor de morrer
As verdes choram a morte
prematura em veredas inexploradas.
Misericórdia
Clamo aos céus, clamo em vão.
Só o vento me açoita o rosto.
E, esfrega em meus lábios
a grossa decepção.
Mar cheio de sal e esperança
do suor dos homens que deixaram
em ti o sacrifício de vida inteira.
Deixaram corações vazios em cais repletos.
Deixaram filhos e, tudo para trás.
Não resta senão o aceno.
O momento de partir...
Cortando cordões umbilicais,
Correndo mágoas estreitas nas rugas do rosto
Comendo vorazmente a ânsia de existir.
Nos lastros de navios.
Como se pode perder
Quando se está perdido?
Como podem os caminhos tramar a sorte
Se os passos predestinados
Iam diretos ao cadafalso?
Seria prenúncio?
Seria guerra?
Seria tristeza, por abandonar
Diariamente coisas construídas.
Humanizadas, com têmpera e
Aquarelas.
Lá fora, no baile outonal
Sibila o vento frio de inverno findo.
Lá fora, risadas inexplicáveis ecoam
ríspidas pelas crueldades humanas.
Será ironia?
Será glória?
Ou será desdém?
Não saberá a madrugada.
Não saberá o mandarim
Só saberá o vento,
Que por tudo passa,
Dispersando tudo,
Desapegado de tudo,
Indo puro ao infinito
Para buscar o fim diário
de um breve instante de chuva.