Vazio

Não tenho sucessos prá contar

Quanto tento, estou inventando

Não tenho amores prá lembrar

Quando conto, estou aumentando.

Não tenho experiências prá passar

Quando as passo, estou exagerando

Não tenho lágrimas mais prá derramar

Quando choro, estou encenando…

A solidão roubou a minh'alma

Enxugou o meu coração

Que agora ressecado

Sofre de rouquidão.

Não, não tenho olhares prá trocar

Quando o faço, resvalo para o lado

Pois a beleza fugiu de meu semblante

E o avexamento pesa em meus olhos.

Não tenho conforto prá oferecer

Pois os meus ganhos são prá comer

Nem passeios prá descansar

Pois os meus dias são para trabalhar.

Não tenho nada a oferecer

O vício da solidão secou o meu ser

As frustrações corroeram as minhas poesias

E nem mais galanteios sei fazer.

Ainda um sorriso disfarçado

Insiste o orgulho manter

Mas logo, se bem de perto chegares

Irás constatar um blefe melancólico.

Não tenho as mãos para afagar

Pois trêmulas temem a rejeição enfrentar

E o sentimento de frustração

Ir correndo no coração se acomodar.

Não tenho a poesia mais para oferecer

Pois ela é somente para os poetas

E não para os amantes, que amam

Enquanto os poetas lamentam.

Não tenho a beleza para atrair

E poder, pelo menos por isso,

Oferecer-te um orgulho

Pois os poetas não são belos.

O tempo, como dissera em tantos poemas,

Foi-se e agora já o avisto de longe,

Dobrando uma esquina lá na frente.

Não o alcançarei mais.

Não tenho vida para dar-te

Pois o trabalho, os compromissos,

A tecnologia e o frio

Roubaram a minha alma.

Que de tanto me esperar

Foi-se vagando por aí

A procura de um descanso

Desolada por não saber mais amar.

Hoje sou um homem qualquer

Que a criação da arte fica

Na lembrança apenas

E aquele sorriso de outrora, também se foi.

Resta-me aguardar a intempérie

Cruel e certa rasgar o meu rosto

Com covas da erosão do tempo

E encolher meu semblante, outrora jovial.

Ah, os instrumentos? Bem

Estão lá, encolhidos de frio

No canto do quarto

Abrigando as aranhas e as traças.

Resta-me, na verdade,

Como que para me torturar.

Essa mania insistente

De escrever, escrever e escrever.