Mãos
Tenho mãos calejadas,
machucadas
por palavras brutas
Que exploram a semântica branca do papel.
Tenho mãos marcadas
pelos fonemas enterrados em folhas.
Dormindo a dor sufocada de existir.
E, nessas feridas evidentes
sobressai a extrema finura dos dedos,
A quase-delicadeza dos gestos se não
fosse a pressa.
Se não fosse o tempo, o lugar ou a estória
Seriam mãos estóicas esculpindo sensações
na matéria-prima da vida.
Seriam mãos urgentes que buscam o improvável
Que se esticam, que pedem, que calam e, sobretudo
que revelam em chagas as contundências,
das lutas entre o dizer, escrever e ser.
Esse arame farpado que é a língua,
as traições verbais,
as oclusões das regências verbais.
O infinitivo tão finito
a elaborar em nós uma dinâmica contínua e absoluta.
Enrosco-a nas mãos
E vou laboriosamente carpindo,
Tudo com afago inconteste das mãos
Mãos magras, finas e firmes
Que tremem, que guardam o choro da própria vergonha,
que acariciam animais,
Que dialogam com coisas e, em meio dos registros da memória
esquece tudo o que uma vez tocou.
Não tenho as mãos de Midas.
Nem as de Ofélia.
São mãos comuns, feudais
Prolongamento exato de minhas medidas extremas.
São extremadas,
trágicas pois nelas morrem todos os dias,
a possibilidade de carinho,
de afago,
De dizer em gestos, o
que as palavras não ousam...
Mãos que conhecem a arquitetura da fala,
do tom de voz, do timbre agudo contralto
Que encontra eco e fim no próximo momento.
Mãos que cumprimentam desconhecidos,
que recolhe lixo,
que colhe a sobrevivência diária
no mistério do amanhã.
Mãos que silenciosamente aplaudem,
exultantes e brindam o talento com a alegria.
Mãos de pantomima.
Mãos teatrais que personificam a sombra,
Que humanizam gestos, símbolos e,
ao mesmo tempo,
mitificam o olhar.
Mãos que dizem adeus
a toda hora pela incerteza do que virá.
Mãos do último toque,
do último acorde,
da última gota de orvalho
a secar nessa manhã fria
a esperança de aceno.