A solidão na madrugada
Desperto no silêncio da madrugada
a escuridão serena de meu quarto,
o frio invisível que toca levemente meu corpo,
na parede o relógio segue quebrando o silêncio informe,
em seu caminho cego, em suas badaladas aflitas,
compassado tic TAC adentra a escuridão silenciosa e desperta meus pensamentos.
Ouço os cães que latem enfeitando a noite de suspense
inquietos e sonoros sem pudor tocam a noite
e minha solidão é acompanhada como por um desconhecido,
seus passos invadem meus sonhos e os assaltam com temor,
temores que pisam sorrateiramente o piso de madeira de meu quarto,
a torneira pingando contrapõe os passos na rua,
desconhecido que vaga na noite
por caminho incerto, leva os meus pensamentos para longe, pois são eles morte para mim.
É ela, a solidão, mistério insondável
meus olhos em vão cruza o espaço procurando um abraço,
enfim haveria plenitude na ausência?
O homem perplexo diante de sua imagem refletida
descobrimos no vazio da solidão seu maior temor,
somos nada sem ninguém
vemos o Sol sem sentir o seu calor,
sem ver as flores que crescem por causa de seu calor.
Assim o amor dorme enquanto a solidão acordada faz seu caminho,
enquanto repousa na inocência dos versos perdidos,
a outra atemoriza com a filosófica astúcias de seus versos,
ambas respiram na natureza sua profunda sabedoria,
sentem-na profundamente e escrevem suas linhas poéticas,
com a sensibilidade de um artesão esculpem o cenário perfeito
para que das lágrimas jorrem poesia,
para que das palavras multidões de sonhos se construam.
A solidão como arte,
o amor trágico pela ausência incompreendida,
e a vida nos circundando do sabor dualista da solidão,
ora amargo em seu pessimismo, ora doce em sua esperança,
e quando nossos olhos cansam de prantear a companhia desejada
que nos encheria da repleta comunhão.
Negado nos restam apenas ouvir os passos opacos na rua
quem será? Estará sozinho ou irá encontrar o amor de alguém?
Ou regressando feliz corre para dormir e continuar o sonho que se chama amanhã?
Ah! Quanta sorte tem aqueles que amam e são amados,
não produzem outros frutos a não ser aqueles que provêem da felicidade alcançada
não embalam na noite vazia a solidão em seus braços,
não são despertados pelos seus gritos de clamor incontido,
roubando o sono da madrugada,
onde suspiros interrompem a solidão traiçoeira,
e desconhecidos que nem se dão conta da solidão da gente,
solidão que não perdoa e machuca.
Não há como renegar a vontade de se realizar,
e num abraço mortal ela vai sufocando os versos
esgotando o pouco do homem racional que ainda existe,
o semblante novo lentamente esvai com a noite
e adormeço sozinho quando amanhece,
ela já se foi, roubou da noite o essencial, os sonhos,
para voltar na próxima madrugada
no sofrimento de estar só
na solitária agonia que corrói
na minha esperança que naufraga esperando uma gota de silêncio quebrar a solidão
rompendo para sempre o pavor da solidão infinita.