sábio sabiá
sabiá sabia de toda poesia
que há
um dia, morrerá o sabiá
mas não morrerá a poesia
de seu canto
canto esse,
que se espalha pelo ar
deixará saudade
ecoando no infinito
seu encanto
se espalhará para
além da memória,
para além da glória.
sabiá sabia de tudo
de tudo que há,
sabia voar,
fugir,
espalhar-se
sem se perder...
sabiá sabia da miséria que há
das esquinas obtusas,
das meninas abusadas
diariamente
sabiá sabia ainda
quem saberá do futuro
das crianças perdidas
e sem afeto.
das crianças que não conhecem
passarinho e nem ninho.
sabiá sabia de tudo
era cúmplice diário
de toda a natureza,
fugiu das cidades
da fuligem,
da poeira pesada,
das indústrias,
fugiu do redemoinho
sorvedor de almas.
sabiá trinava seu canto
repetido,
exausto de cantar
e, apesar de nem ser percebido
registrava sua passagem
e, se despedia assim
impunemente
sabia saberá um dia
da nota semifusa perdida
escrita
na pauta dos fios elétricos
da rua.
sabiá não sabia de tudo,
só sabia cantar
e cantar
e, passava pela tarde
por entre seus tons de vermelho
chegava ao ocre e cinzento
e parava de cantar sonolento
na escuridão liminar.
sabiá sabia
da vastidão do mundo
e cantava a poesia
no instante que há
no semblante astuto do menino
que brincava de mirar.
sabiá se esgueirava na jameleira
e cantava enquanto que
a cotovia ofendida
cantava também em distonia
e, embalavam juntos
a mesma tarde morrendo
no fim-do-mundo
embalavam juntos a sinfonia
do adeus.
sabiá leva esse meu bilhete
não precisa anunciar,
não precisa verter seu canto,
apenas sacode suas asas plenas
para largueza que há
abraçar pequeno
o imenso mundo com
toda sabedoria que há.