AMANHÃ
O futuro não é nada mais do que outros "hojes" e, quando a gente chega lá, percebe que deixou mais "ontens" para trás do que há "amanhãs" pela frente.
Amanhã é tela em branco,
segredo ainda não escrito —
vento que desperta o peito,
mas apaga o que foi dito.
É promessa sem destino,
súbito raio de sol
que ilumina um caminho,
mas não diz se é fim ou farol.
Trago esperanças no bolso,
medos presos no cordão.
O tempo, mestre absurdo,
tece risos e canção.
Quero crer na madrugada,
na semente que não brota,
na calma que inquieta,
na dúvida que devota.
Amanhã é rio que corre
e afoga o que ficou:
lembranças viram escorrego,
o que sonhei se esfacelou.
Mas na margem do imprevisto,
flores nascem do vazio —
o ontem já foi conquista,
o agora é desafio.
Será que o sol de amanhã
vai aquecer meu abrigo
ou virará tempestade
que desmancha o que eu consigo?
A vida é verso sem métrica,
rima que o acaso inventa.
Amanhã é só miragem
que hoje vira tentativa lenta.
E quando ele enfim chegar,
já não é mais quem eu era:
o futuro é um espelho
que reflete a face inteira
de quem soube, mesmo em pranto,
semear no chão incerto —
pois o amanhã mais perfeito
é o hoje já descoberto.