O Diálogo do Silêncio

O Diálogo do Silêncio

— Deus, por que não me ouves?

Que te fiz eu,

Para que meu clamor se perca no breu

Do silêncio que me cerca e fere?

Estou à margem, esperando o que não vem.

— Meu filho, sempre te ouvi,

Mas teus olhos, cegos pela dor,

Não viram o amparo que dei,

Nas pequenas luzes que cruzaram teu caminho,

Nos braços que te levantaram quando caíste.

— Mas por que então me sinto assim,

Perdido, sem saber se sou digno de ti?

Serei sempre à margem de tuas bênçãos,

Vendo a vida passar sem poder mergulhar?

— Tu não estás à margem, mas no centro,

Onde a batalha é mais árdua.

E eu estou contigo, mesmo quando não vês,

Mesmo quando o mundo parece mudo.

Minhas bênçãos nem sempre são rios visíveis,

Às vezes são gotas, que regam teu espírito em silêncio.

— Então, por que tanto sofrimento?

Por que me sinto vazio e esquecido,

Se me dizes que sempre estás comigo?

— O sofrimento, meu filho, é parte do caminho,

Não te abandonei, apenas te fortaleço.

É na dor que encontras a força que já tens,

É no vazio que descobres o que realmente importa.

Minhas bênçãos não estão nas grandes águas,

Mas no suspiro da brisa, no calor de um abraço,

No nascer do sol, ainda que em meio à tempestade.

— Deus, mas por que tanto silêncio?

Eu grito, eu clamo, e tudo parece distante...

Será que um dia tua voz será clara para mim?

— Eu falo em cada instante,

Na voz do vento, no cantar dos pássaros,

No sorriso que te encontram ao acaso.

Eu sou o sussurro que acalma tua alma,

Mesmo que teu coração ainda não perceba.

Meu silêncio, filho, é o espaço

Para que tu mesmo possas crescer.

— Crescer? Mas como crescer no vazio?

Como encontrar forças onde tudo é escuridão?

Se sou teu filho, por que não me guias com clareza?

Por que não fazes cessar o peso da aflição?

— O vazio não é ausência, é terreno fértil.

É nele que planta-se a fé,

E com o tempo, ela brota como uma árvore silenciosa.

O crescimento, meu filho, não vem de respostas fáceis,

Mas da busca, da persistência em caminhar

Mesmo quando os olhos não enxergam o horizonte.

— Mas como caminhar sem rumo, sem direção?

Como seguir quando não sei para onde vou?

Me sinto perdido, Deus, sem mapa, sem estrada,

Esperando por algo que nunca se mostra.

— Não te preocupe com o destino distante,

A jornada é o que te molda e fortalece.

Cada passo que dás, mesmo na dúvida,

Te aproxima de quem realmente és.

Eu te dei o livre-arbítrio,

Para que escolhas teus caminhos,

Mas te acompanho, ainda que não vejas,

Em cada curva, em cada encruzilhada.

— E a dor? A dor que sinto tão profunda?

Por que preciso carregar esse fardo?

Se sou teu filho, por que não me alivia?

Será que preciso sofrer para ser amado?

— A dor é parte da vida, não castigo.

Ela te ensina, te torna sensível às cicatrizes do mundo.

Não te dou mais do que podes suportar,

E nos momentos em que pensas que estás só,

Sou eu que carrego teus fardos,

Mesmo que teus olhos não vejam.

— E se eu não suportar? Se o peso for demais?

Se minha fé desmoronar diante de tanta luta?

— Eu estou contigo, até no teu cansaço.

Quando tu não podes caminhar,

Sou eu que te levo nos braços.

Tua fé pode vacilar, mas meu amor por ti,

Esse nunca muda, nunca se esvai.

E mesmo que não compreendas agora,

Há um propósito em cada lágrima,

Uma razão em cada silêncio.

— Então, Deus, devo apenas confiar?

Mesmo sem entender, mesmo sem respostas?

— Confia. Nem sempre terás respostas prontas,

Mas terás sempre a minha presença.

Acredita no invisível, no que não podes ver,

Pois é aí que reside o maior dos milagres:

O milagre de viver, de crescer,

De amar, mesmo em meio à incerteza.

— E assim, seguirei então? No silêncio, na fé,

Esperando por um dia de luz,

Mesmo que hoje não veja o sol?

— Sim, meu filho, segue.

A luz já está em ti, mesmo que não percebas.

E quando menos esperares, ela brilhará,

Mostrando-te que nunca estiveste só,

Nem à margem, nem perdido,

Mas sempre envolto no meu amor.

— Deus, ainda me perguntas por que?

Por que sofro, por que o silêncio, por que a dor?

Será que não me vês no desespero?

Ou será que te cansas de me ouvir implorar?

— Basta! — diz Deus, com voz firme e pesada.

Tu não me escutas, mesmo quando te grito!

Eu, que te dei o livre-arbítrio,

Eu, que te ofereci caminhos e opções,

E ainda assim, te escondes em lamentos,

Fazendo de tua própria vida uma prisão!

— Mas Deus, eu clamo, e nada parece mudar!

Se tu me dás liberdade, então por que sofro?

Por que sinto este peso que nunca se vai?

Será que sou indigno do teu olhar?

— Indigno? Indigno és de ti mesmo,

Quando te recusas a levantar!

Eu te dei força, te dei a chama,

Mas tu insistes em soprá-la ao vento,

Esperando que a chama cresça sozinha,

Enquanto te escondes nas sombras da dúvida.

— Mas eu sou fraco, Deus, não vês?

Tento, mas caio, tento de novo, e falho...

E tu, com tua ira, como me esperas vencer?

— Fraco és porque escolhes ser!

Fiz-te à minha imagem, com poder e vontade,

Mas preferes chorar pelos cantos,

Ao invés de lutar como te ensinei!

Já te ergui tantas vezes, e tu insistes em cair,

Porque é mais fácil se queixar,

É mais fácil culpar-me do que encarar a verdade!

Eu sou Deus, mas não sou teu servo!

Não vou mover montanhas que tu mesmo podes escalar.

— Então, Deus, é isso? Estou sozinho?

Tu esperas que eu enfrente tudo sem tua mão?

De que vale a fé se não me levantas quando caio?

— Levantei-te tantas vezes! E tu nem notaste!

Estás tão preso no teu próprio lamento

Que nem percebes a força que já te dei.

E agora, me desafias? Me cobras o que é teu dever?

Eu não te devo nada, filho ingrato!

Eu te dei tudo: a vida, o caminho,

E mesmo a dor é uma dádiva,

Que tu insistes em rejeitar!

— Mas, Deus, estou perdido, não vês?

A escuridão me cerca, não sei para onde ir!

— Perdido porque assim o queres!

A escuridão é tua criação, não minha.

Tuas dúvidas, teus medos, teu orgulho!

Já te dei a luz, mas preferes cerrar os olhos.

Queres que eu carregue teus fardos,

Quando tu mesmo recusas a tomar o primeiro passo.

Já fiz por ti o que só eu poderia fazer,

Agora é tua vez de caminhar, de cair, de levantar,

De viver o que te resta com coragem,

E não com queixas vazias e covardia disfarçada.

— Então, o que queres de mim, Deus?

Se sou tão falho, tão indigno,

O que esperas que eu faça,

Se não consigo nem compreender tua vontade?

— Quero que pare de me culpar por tua fraqueza!

Quero que pare de esperar milagres caírem do céu,

Enquanto cruzas os braços e te afundas na autopiedade.

Quero que te ergas, que enfrentes,

Que uses a força que te dei,

Que pares de me ver como teu carrasco

E percebas que sou teu criador,

Mas não teu executor!

A vida que tens é tua para moldar,

Com tuas mãos, com tua alma.

E se ainda não entendes,

Então continue a sofrer,

Pois a dor será teu único professor

Até que aprendas o que já devias saber.

— E se eu falhar de novo, Deus?

Se eu cair mais uma vez?

— Cairás, sim, pois és humano.

Mas o verdadeiro fracasso

É não tentar mais.

E se te recusas a ouvir minhas palavras,

Então aprende pela dor.

Mas saiba que minha paciência também tem limites.

Fernando Brasil:.

fernando brasil
Enviado por fernando brasil em 10/09/2024
Código do texto: T8148243
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