A MENINA E SUAS DUAS FACES

Na alvorada, a luz suave despiu,

A menina, com livros, saiu de casa,

Anjo de pureza, vestida de azul-anil,

Nos sonhos da escola, a mente se embasa.

Passos leves pela calçada,

O mundo a espera, um sonho a florir,

Mas, ao cruzar o umbral da jornada,

A luz se esvai, começa a ruir.

Nos bancos da escola, o sussurro impuro,

Mas ela, diabinha, logo se ergue;

Sobe nas mesas, um ato tão duro,

Xingando professores, a calma se derregue.

"Que boba, que besta!", ecoa seu riso;

Palavrões dançam em sua língua afiada.

Indecência em cada olhar impreciso,

A vida na sala, uma festa descontrolada.

Entre risos e gritos, o caos instalado,

A menina que era anjo, agora é tempestuosa.

Os colegas, entre risos, ficam abismados;

Na dualidade da vida, sua essência é duvidosa.

Ousadia viva, num corpo tão pequeno,

Transmuta-se entre o bem e o mal.

Um dia de anjo, no outro, veneno;

Na escola, um palco, seu ato é triunfal.

E assim, a menina, entre risos e prantos,

Desenha a linha tênue entre luz e sombra.

Na sala, a vida, com seus encantos:

Um anjo, um capeta, a vida é uma lombra.

Tanto fez, foi transferida de escola;

Agora, limpa o chão da velha lanchonete.

E, na outra mão, pede gorjeta na sacola;

A velha amiga vem dirigindo sua caminhonete.

Logo remói lembranças do passado,

Da glória que via em ser tempestade.

E ouve as vozes do aviso, do futuro contemplado:

Sua mãe e sua avó, exemplos de verdade.

As lágrimas caem no chão, servindo de espelho;

Vê o rosto coberto de poeira e o cabelo despenteado.

Sem o sonho de ser chique, sem batom vermelho,

Sofre o peso do seu futuro desmantelado.

Logo desperta, alguém grita: "Bora, termina!"

Lembra e volta a ser apenas uma serviçal.

Tantos conselhos mãe e mestres deram àquela menina,

Mas, na época, teimou em ser vendaval.

Agora, chora o tempo perdido,

Sem pai ou mãe para lhe acolher;

Sem seu padrasto e avó, ombro amigo;

Queria ser criança, voltar a estudar e aprender.

É tarde, tem que trabalhar se quiser comer;

Cabelo curto, dentes podres, foi embora a vaidade.

A vida está lhe ensinando o que é sofrer;

Demorou, mas o arrependimento chegou com a idade.

Essa é a história da mulher que já foi uma menina

Que achava bonito ser o terror da escola.

Agora, para sobreviver, faz faxina;

Recebe do governo a bolsa-esmola.

Enquanto suas colegas passam o dia no salão

E saem de férias em viagens internacionais,

Ela viaja no supermercado, pechinchando o feijão

E ganha um extra cuidando de animais.