Ironia
Há sempre algo de poético na metafísica,
Há sempre poesia naquilo que transcende a física.
Se entendemos a ‘ideia’ platônica,
entendemos que nela há veios de poesia,
que brotam do seu conceito tal como a mangueira brota do caroço da manga.
Se entendemos que, para o grego, somente a ‘ideia’ de algo pode ser perfeita,
jamais o algo em sua manifestação fenomênica,
material,
entendemos também que o corpo de algo, em toda sua extensão -
volume, peso, massa,
materialidade efêmera e passageira,
trivial,
filha do devir,
mãe da incerteza -
não é senão o receptáculo físico da alma,
seu corpo material, tornado coisa,
coisificado,
cópia, portanto, do corpo perfeito,
que de tanta perfeição se fez ‘ideia’.
Se entendemos a ‘ideia’ platônica,
entendemos que o amor perfeito só existe na idealidade,
longe, muito longe, de toda corporeidade,
de todo apego carnal,
de toda afeição pelo que é terreno.
Se entendemos o ateniense, entendemos que a verdadeira beleza de algo,
aquela que faz os olhos da alma brilharem,
é invisível aos olhos do corpo,
que nos serve, é verdade,
apenas para enxergarmos as sombras das figuras belas,
nunca as figuras belas em si mesmas.
Quando entendemos o grego, entendemos que ao apreciar a beleza de alguém,
apreciamos, na verdade, uma infinitésima parte da beleza em si mesma,
apenas a parte que se materializa, nesse caso, em coisa corpórea.
Há algo de contra-intuitivo nesse entendimento do mundo,
e talvez por isso soe tão poético pensá-lo,
pois não faz sentido, de cara,
pensar
que o que eu vejo
não é de fato o que eu vejo,
mas apenas o que vejo,
que se é visto, passou pela visão,
que é falha,
e que,
por ser falha,
não vejo de fato o que vejo ver,
mas apenas a impressão que minha visão me traz,
que não é senão uma sombra daquilo que pensei ter visto -
uma foto da pessoa amada, nunca ela própria.
21 de agosto de 2024, Natal/RN