DE VALOR ILIMITADO

Morrer

será a obra mais importante da minha vida.

Nascer é um ato,

viver é uma passagem

carregada de expectativas,

tristezas

e momentos que não percebemos seu valor.

Morrer é chegar ao fim

do que parecia um crédito ilimitado.

Morrer pode sair nos jornais que dirão

o quanto era lindo ou linda a falecida

ou o quanto a vida de quem viu essa morte

tornou-se mais cheia de medos e repúdio.

Mas morrer não doerá.

O que dói pode ser a vida

em um corpo mal preparado,

embora, na hora exata, ele saiba como se comportar.

Olhar um pôr do sol.

Que sintam alguma falta de mim.

Se não sentirem, isso não afetará a beleza

do meu último feito,

porque todos estamos irmanados

pelo mesmo desfecho

pelo mesmo remate.

E não terei medo,

pois pela “teoria das cordas”,

teoria possível apesar das tranças,

nós pularemos para outro lugar.

Há cordas suficientes para todos

saberemos agarrá-las como macacos

que passam de galhos frágeis

para outros mais seguros,

em pulos constantes.

Morrer e perder o medo do ridículo.

Durmo agora e por muitas manhãs ainda acordarei.

Tudo é uma questão de tempo

para a obra mais importante da minha vida:

morrer e ser outra coisa.