A menina e o rio
Havia uma ponte louçã, pura lembrança,
Onde rutilava o sol sobre água suave,
Retouçando entre pedras numa mudança,
Provocando uma sonância, um canto grave.
Lá estava você debalde sobre a grama,
Lançando pedras numa visão, divagando,
Eu, intrépido sobre a ponte, vendo essa trama,
Apetecido, ficava imaginando.
A quem com a pedra fere esta alma inocente?
E ao ser tocada a água respondia: alguém.
A água remansada desliza indiferente,
Como se o ser, posto ali fosse ninguém.
Ela envidava sua busca e na água jogava,
Como se as pedras atiradas de sua mão,
Atendessem a sua vontade que rogava,
O espantalho perplexo de sua solidão.
E a água corria se contorcendo evasiva,
Ditando a cada pedra que ela propelia,
Um som surdo, lépido e seguia compassiva,
Seu rumo, o carrasco lhe julga a revelia.
Um laço de cetim azul espelhava,
A luz pálida do sol que amanhecia,
E o vento de macinho se deslocava,
E de sua fronte dourada removia.
Bailando sua graça, sobre o rio sucumbia,
E ela atônita, sem crer ficava olhando,
E a água, mansa, carregando, nada dizia,
E ela impotente desapareceu chorando.
Mai. 2022