A epopeia de uma convenção
Ante a minha insignificância, procurei apenas me acomodar em meio à multidão, eu só queria um lugar decente pra tatuar na memória, registrar e guardar no meu acervo pra posteridade, uma eterna recordação
Enquanto isso, um amigo meu sem entender aquilo, quando me viu, por entre as grades do muro, passar pelo telão, ficou indignado e me enviou uma mensagem por causa daquela situação
Tudo bem, disse-lhe depois, já estou acostumado – não deveria mais me contentar, né? – com a posição que me deram, mas eu (re)conheço o meu lugar, hoje, aqui no proscênio, junto à ribalta, amanhã, quem sabe, na boca da cena, de qualquer modo, agradeço a sua preocupação
“Ah, que bom ver você aqui, já estava preocupado”, disse-me outra pessoa que passava por perto e logo veio me cumprimentar e apertar a minha mão
Soube até que já haviam me transformado em réu, inclusive, sendo julgado pelos meus pares, pelos condiscípulos da mesma cavalaria, pelos que usam a indumentária de mesma cor… seria pelo crime de traição ou por falta de manifestação?
“Parece que nosso guerreiro está hesitante”, assim me contaram, então, digo-lhes uma coisa, não esperem muito dum mero desimportante que já se doou e brigou demais pelos outros, tanto que, por várias vezes, teve que percorrer o caminho das suas utopias pela contramão e na solidão
E ainda me apunhalaram pelas costas, como fazem os covardes, que não têm respeito por ninguém e agem sem nenhuma consideração
Mas tudo bem, o importante é que estou aqui em nome da história da minha cidade, que, por sinal, é linda, da minha história nesse lugar e, sobretudo, por causa da minha gratidão
Não sou desses que andam por aí cuspindo no prato que comeu, tenho minhas loucuras e meus desvios, bem verdade, e não é porque apoiei que vou, quando necessário, deixar de fazer reclamação (fiz, faço e farei, pois aprendi a também dizer não)
Pois bem, era só uma convenção, mas, pelos olhares tortuosos e comentários maldosos de alguns, pareceu-me que os juízes já haviam dado a sentença, eu precisava de uma punição pelos meus atos (de liberdade velada) e a minha presença ali pareceu ter sido uma confissão (sim, eu sou o culpado, quero absolvição)
Mas deixem os meus pecados quietos, vamos ao que importa, afinal de contas, lá, um homem bravo mostrou sua grandeza, teve a hombridade em adiar seu sonho e resolveu, por ora, pegar a mesma estrada, seguir na mesma direção
O tempo cuidou de colocar no mesmo tablado, oponentes do passado, agora juntos na minha trilha, numa só vibração.
O mesmo relógio, entretanto, também afastou velhos parceiros, que procuraram novos ares, que vão lutar por outras tropas e defender outro pendão
E de lá, onde eu fiquei o tempo todo, bem próximo ao palco dos circunstantes, dos soldados, dos (in)diferentes, pude observar de perto e testemunhar a lealdade de um jovem varão, que um dia, num discurso de outrora, no último pleito, prometeu ser como um Arão
Promessa cumprida por uma pessoa iluminada, cujos olhos lacrimejados denunciavam tamanha gratidão ao homem que antes já foi mais pedra, mas que tem se tornado numa joia rara, quase um pai, que abriu o caminho para o progresso recente e que agora precisava passar o bastão
“Amigo, eu cheguei até aqui, agora é com você”, repetia trecho da bela canção, imediatamente respondida com um “pode deixar, amigo meu, eu vou honrar o nome seu, eu fazer tudo que você faria”, naquele momento de prantos incontroláveis, tomados por tamanha comoção
A pirotecnia já dava sinais de que aquela noite seria épica, mágica e teatral: sky paper, chuva de confete, lançadores de fumaça, fogos de artifício, balões e refletores transformaram em céu aquele pedaço de chão
Tudo azul, povo novamente reunido, novas alianças firmadas, lamúrias esquecidas, desavenças resolvidas, esperança revigorada, brilho no olhar das pessoas e discurso avassalador: “Curaçá é daqui pra frente”, nem um passo atrás, meu irmão
E a convicção de que “nada nem ninguém vence o trabalho” proferida por quem reconhece que fez muito, que deixou o seu legado, mas que não fez tudo, e que, pra seguir avançando, entregou a todos a uma grande missão: vencer, mais uma vez, a eleição
E eu estou pronto pra guerra, como um ginete bom de liça e firme de rédea, mas, sinceramente, o que o meu coração mais apetece neste instante é paz, não importa o seu grau de (re)flexão
Porque, depois do prélio, quando alcançarmos o nosso fim, e queremos que ele seja bom, a vida continuará, independentemente do resultado, e, portanto, nenhuma luta travada por nós, ainda que hoje nos sobre razão pra gladiar, deve(rá) ser em vão.