Cora Coralina Voltou

Cora Coralina

teve que ir embora de Goiás

Uma cidade que ainda

tinha nas pedras dos becos

o sal do suor dos escravos

e uma cidade com

"cores significativas

nas janelas"

Como poderia essa

gente compreender e

aceitar o "ouro" da poesia?

Cora Coralina

teve que ir embora de Goiás

Sua poesia não seria reconhecida

seu saber era considerado pedante pr'aquele tempo

sua cabeça estava muitos anos adiante

Foram mais de quarenta anos "no deserto"

longe da poesia viva de pedras construídas

quarenta anos de exílio

de nostalgia e enfado

com a lembrança

do casarão da ponte

sua janela para o rio

de águas cristalinas

Mais de quarenta anos

longe da diversidade e opulência

da flora de seu vasto quintal

com o aroma do poejo

da hortelã e do funcho

(o que brotava espontaneamente

nas inflorescências globosas

entremeio às gramíneas e musgos)

Cora longe do aroma

do arroz com pequi e cheiro-verde

longe dos doces com os frutos do cerrado

que ferviam nos tachos de cobre espelhados

(cujo cheiro bom ia de casa em casa sem pedir licença)

Cora longe da fonte

de águas puras que brotava

em seu porão

Cora longe dos cachos

de flores em profusão

Cora Coralina

teve que ir embora de Goiás

Quem pode avaliar

os danos dos anos de saudades

do ar puro vindo da Serra Dourada (?)

Quem pode avaliar

quantas foram as lágrimas escondidas

enquanto trancafiada num ambiente paulistano

no frenesi de uma das maiores revoluções

inda essa vida a lhe subtrair filhos e marido (?)

Mas aos cinquenta anos de idade

ela perdera repentinamente o medo de viver

Cora Coralina

teve que ir embora um dia

Ah quantos ais

quantos ais (!!)

Mas a poetisa voltou

(embora na última página

do conto existencial)

para abrir as mentes e os corações

Mas ó que ironia (!!!)

como Drummond dizia

"voltou como a pessoa mais importante

do estado de Goiás"

.