Entre amor e desigualdade

A minha alma que terá de fugir,

E fingir que nunca esteve aqui,

Poderia, enfim, me dizer que eu sou o amante do amor,

E o amador, o amor do amante?

Sou eu o amante do amor e o amador, amor do amante,

Consegui em vós distinguir tais sentimentos

Para cativar-lhes a minha escrita.

Como a vida, a minha alma é a tua,

A tua incerteza de amar,

A minha certeza de criar,

E ao meu desejo de permanecer.

As facetas que venho criando,

Apenas para criar o já criado,

Mas que por mim nunca foi usado,

Apenas imaginado,

De um modo tão indelicado.

Por vez, nunca me vi marginalizado,

Mas, aos que são, sinto-me desonesto

Por ter muito mais do que eles, que não têm.

Mas é quem tem mais do que eu?

Para eles serei o marginalizado?

Apenas a sociedade é culpada,

Embora saibamos que, pra ter trabalho,

Tem que ter os que têm mais e os que têm menos.

Os que têm mais, muitas das vezes, contratam alguém para fazer o seu papel,

E os contratados são os que precisam de dinheiro,

E o capitalismo é mais caro para os pobres coitados

Do que para os ricos, que têm dinheiro para dar e vender.

Embora minha alma seja rica,

Meu ser não é; dinheiro me falta,

Escrita me sobra,

Mas, com tais insolentes problemas,

Sigo pondo em papel o meu eu de ser,

E o meu sentir de ser.

Agora, por vez, me vejo aqui

Escrevendo algo que já estava predestinado,

Mas com dificuldade para começar,

Porque sempre tem que começar do zero,

Do que pelo cem.