Travessia
Não chorem, já estou indo,
Na penumbra do meu enfermo ser
Atravesso as águas do desconhecido abismo.
Não chorem, já estou indo,
A sombra cobre meu caminho,
O silêncio segue, às pressas, comigo.
Não chorem, juro que estou indo,
Sob os olhares das estrelas apagadas,
O vento leva ao mar o meu suspiro.
Não chorem, logo estou indo,
Minhas lágrimas fecundam os rios
Cujo regaço me levam ao infinito.
Não chorem, que agora estou indo,
As raízes me invocam em segredo:
Sou árvore e machado no destino.
Não chorem, que já me estou indo
Por entre cantos, prantos e ais,
Deixo, mudo, o mundo findo.
Não chorem, já estou indo e caindo
Nas brumas do entardecer
Onde tudo é puro silêncio infindo.
Não chorem; sim, estou enfim indo
Rumo ao abraço da noite,
Lágrimas ao vento fluindo.
Não choreis, irmãos e irmãs: estou indo e caindo,
Carregando a excruciante dor do eterno adeus,
Caminhando cegamente vendo, rindo e carpindo.
Rindo e carpindo, caminho ao pleno espanto,
Decanto eu o manto do noturno recanto,
E cruzo o tão calado e degredado canto.
Atravesso, mudo, este possesso mundo findo.