Travessia

Não chorem, já estou indo,

Na penumbra do meu enfermo ser

Atravesso as águas do desconhecido abismo.

Não chorem, já estou indo,

A sombra cobre meu caminho,

O silêncio segue, às pressas, comigo.

Não chorem, juro que estou indo,

Sob os olhares das estrelas apagadas,

O vento leva ao mar o meu suspiro.

Não chorem, logo estou indo,

Minhas lágrimas fecundam os rios

Cujo regaço me levam ao infinito.

Não chorem, que agora estou indo,

As raízes me invocam em segredo:

Sou árvore e machado no destino.

Não chorem, que já me estou indo

Por entre cantos, prantos e ais,

Deixo, mudo, o mundo findo.

Não chorem, já estou indo e caindo

Nas brumas do entardecer

Onde tudo é puro silêncio infindo.

Não chorem; sim, estou enfim indo

Rumo ao abraço da noite,

Lágrimas ao vento fluindo.

Não choreis, irmãos e irmãs: estou indo e caindo,

Carregando a excruciante dor do eterno adeus,

Caminhando cegamente vendo, rindo e carpindo.

Rindo e carpindo, caminho ao pleno espanto,

Decanto eu o manto do noturno recanto,

E cruzo o tão calado e degredado canto.

Atravesso, mudo, este possesso mundo findo.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 07/06/2024
Reeditado em 07/06/2024
Código do texto: T8080924
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