O Mar Iminente
Vem, ó Morte, e vamos juntos desbravar o mar,
No porto da noite, o começo do fim há de desatar.
Vem, ó Morte, e leva-me ao derradeiro cais,
Onde o vento definitivo afunda barcos e sinais.
Vem, ó Morte, e sob o manto estelar,
Seremos navios, prontos a logo zarpar.
Vem, ó Morte, e nas ondas dançantes,
Seremos velas brancas, sonhos errantes.
Vem, ó Morte, e na noite prateada,
Nos perderemos na bruma encantada.
Vem, ó Morte, e ao som do halo do farol,
Seremos lágrimas do ancestral deus-sol.
Vem, ó Morte, e no abraço tão fiel do vento
Navegaremos no dorso do pó e do lamento.
Vem, ó Morte, e nas vastas marés infinitas
Seremos naufrágios, âncoras esquecidas.
Vem, ó Morte, e no azul do tocante horizonte,
Seremos miragens no alto do santo monte.
Vem, ó Morte, e ao romper daquela alvorada,
Despertaremos em terra esfolada e renovada.
Vem, ó Morte, e nos corais submersos,
Seremos segredos, mistérios dispersos.
Vem, ó Morte, e no eco branco dos rochedos
Quebraremos a alma dos dias e dos medos.
Vem, ó Morte, e no canto mudo das gaivotas ao vento
Seremos liberdade livre e o pleno esquecimento.
Vem, ó Morte, e no sussurro do mar
Seremos murmúrios eternos a se dissipar.
Vem, ó Morte, e no reflexo do luar no mar
Seremos sombras de vozes silentes a tremular.
Vem, ó Morte, e na leveza da metamorfose de voar
Seremos novas estrelas, no céu a acender e apagar.
Vem, ó Morte, e no templo do porto seguro,
Seremos o filho enraizado em teu seio escuro.
Vem, ó Morte, e neste incompreensível mar sereno
Somos eternos: nada de dor, o imutável nada pleno.
"É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos;
os vivos devem levar isso a sério! O coração do sábio está na casa onde há luto, mas o do tolo, na casa da alegria." (Eclesiastes 7: 2 e 4)