Velai-vos agora
O crime absurdo de continuar existindo sem viver,
Ou o delito genético e incompreensível de viver
Uma vida que precisa urgente de justificação?
Sacrificai e derramai o sangue justo para a expiação?
Justificação do quê e por quê, ó Vida?
Expiar e purificar a vida e a si é só crença e liturgia,
A Vida sempre justifica a si_ sendo-ser-existência,
E calai teu falacioso sermão de farisaica contrição!
O erro intraduzível de termos nascido?
A culpa inexpiável de se necessitar conviver com os outros?
O pecado abominável de abrir os olhos e sentir o pavor da luz solar
Que ainda emana, em vão, restos mutilados de luz lá fora?
A sede de viver e de morrer jorrando apenas Pretextos e consolos em nosso sangue?
E há mais humanidade no orvalho choroso das folhas dos limoeiros
Do que nas lágrimas de milhões de crianças judiadas,
Fuziladas, assassinadas e devoradas por aves de rapina?
E cubro com estas mãos sangrentas, vazias e tristes
Meu rosto pecaminoso, humanoso e relampejante:
Olhai e vede-te, pois dói-nos ser-nos e sentir toda a dor silenciosa e sufocante do mundo;
Tocai e afaga-te, pois tudo dói e são feridas no íntimo do nosso coração, dos nossos braços e das nossas retinas,
E chorai, chorai inconsolável ao meu lado, ó almas desamparadas e mascaradas de fel e alegria!
Choremos por todas essas pornográficas geografias de tantas misérias, fomes, racismos, contendas e chacinas.
Chorai e velai, ó mendigos doutos e paramentados!
Chorai e velai de verdade todo o vosso ser desolado, mutilado, abirobado, catequizado, coisificado...
Velai-nos, ó minha Mãe, estes rebentos degredados,
Filhos destas Evas castigadas inocentes e sozinhas:
Velai e protegei-nos de nós mesmos, ó Mãezinha,
Antes e agora e na hora de nossa morte e vida
Amém e aos vossos semelhantes e inimigos amem!
Amem agora e todo dia a vossa soturna vida, amém!