Desabafo sincero a Deus
Pereça o reles dia em que dizem que EU nasci,
E que dilacere Deus todo o pó do meu existir,
Pois sou apenas um triste espectro sem brilho
Que foi amaldiçoado pelo Pai antes de ser filho.
Aos céus e a Deus tanto clamei e só houve mudez,
Surdo vive cada divindade a seus filhos fitar.
Em meio à dor, ao amor divino supliquei sem cessar:
Nada ouve nosso choro. Fé é ilusão, inlucidez.
Nascido do pó pisado, talham meu corpo em aflição,
Minha alma anda morta, perdida, neste luto sem luz,
Jogado pelo sacro Pai nas ruas do flagelo e da rejeição
Pra aquela cova eterna onde tanto pesa minha cruz.
Pereça o absurdo dia em que dizem que nasci,
Das entranhas do caos, vago pela escuridão.
Sou um lamento profundo, angústia sem fim,
Onde a vida me corrói em doença e putrefação.
Das vísceras da terra e do abismo eu emergi,
Encharcado de sombras, batizado em agonia,
Eu vi e senti a morte: fardo que carrego aqui,
Neste mundo vil e de "felicidades" tão vazias.
Cada aurora e ocaso são flores de gritos de agonia,
Que rasgam paz e sol da alma desamparada;
E o Verbo nos enterra com pregos de homilia,
Rindo e lançando-nos terra na cova molhada.
Ó Deus, que nos criaste do bruto barro e do vento,
Por que corroboras minha dor neste vale de dores?
Minha alma é uma lavoura da aflição e ardor violento,
Enquanto anjos e demônios copulam no outeiro de flores!
Ó Senhor, por que assassinaste o meu irmãozinho?
Arrancastes a alma e ninho do teu frágil Passarinho;
Meu olhos jorram lágrimas; jazo quebrado e sozinho;
Tua voz, meu irmão, jaz agora muda, sem caminho.
Que os céus se rasguem e os rios se tornem sangue,
Pois meu ser é agora um inútil sol morto e exangue
Neste oceano absurdo onde a Morte é da vida porto,
E a Esperança é apenas um náufrago ilusório e morto.
Pereça por completo o dia em que dizem que nasci,
Maldita hora que pela primeira vez vi a luz e a vida!
Cada respirar hoje é uma espada de dor desferida
Em meu coração tão cheio de oceanos de agonia.
Pereça, pois, aquele maldito dia em que talvez nasci,
E que tudo se converta em puras cinzas de escuridão,
Pois é um grão de vácuo no cosmo o meu e teu existir
A esperar o findo alento em meio à ubíqua desolação.