Vida adulta
As mãos do maestro
seguram a semana
em cadências polifônicas,
guardando os metais
para outros carnavais
e o conjunto de cordas
para outras insônias.
Primeiro, invoca os fagotes
soprando o ar pesado,
de rancor e de enfado,
que surge entre as nuvens,
cinzas e dispépticas
no prelúdio operário.
Depois, dissipa a tensão
com o suspiro espaçado
de um piano adulado
pelas mãos delgadas
daquela esperança vazia,
que vai sendo preenchida
e se juntando aos ruídos
no mesmo diapasão.
Depois, desponta a violência
no encontro eufórico
dos tambores do futuro
com aquele contrabaixo
que por vezes é dedilhado
pela alegria, emotivo,
e por vezes é rasgado
pelo arco, sem motivo.
Depois, as cordas vibram
atentas ao movimento
enfático do tempo regente,
vertendo sons deprimentes
em uma ópera, um réquiem
de quem se espera a morte
com satisfação oculta.
Por fim, o ar se condensa
e o silêncio se instaura
no momento apoteótico
em que as mãos agarram
a partícula de sentido
em um oceano de moléculas
entrelaçadas na camada
chamada "vida adulta".