Vida adulta

As mãos do maestro

seguram a semana

em cadências polifônicas,

guardando os metais

para outros carnavais

e o conjunto de cordas

para outras insônias.

Primeiro, invoca os fagotes

soprando o ar pesado,

de rancor e de enfado,

que surge entre as nuvens,

cinzas e dispépticas

no prelúdio operário.

Depois, dissipa a tensão

com o suspiro espaçado

de um piano adulado

pelas mãos delgadas

daquela esperança vazia,

que vai sendo preenchida

e se juntando aos ruídos

no mesmo diapasão.

Depois, desponta a violência

no encontro eufórico

dos tambores do futuro

com aquele contrabaixo

que por vezes é dedilhado

pela alegria, emotivo,

e por vezes é rasgado

pelo arco, sem motivo.

Depois, as cordas vibram

atentas ao movimento

enfático do tempo regente,

vertendo sons deprimentes

em uma ópera, um réquiem

de quem se espera a morte

com satisfação oculta.

Por fim, o ar se condensa

e o silêncio se instaura

no momento apoteótico

em que as mãos agarram

a partícula de sentido

em um oceano de moléculas

entrelaçadas na camada

chamada "vida adulta".

Eduardo Becher
Enviado por Eduardo Becher em 25/02/2024
Reeditado em 25/02/2024
Código do texto: T8007129
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