DESERTOS INTERNOS

Há em mim uma contradição

intrínseca e inexplicável.

Vindo de um casulo aquático

e existindo em um planeta

aquífero em abundância,

tenho um terrível medo,

quase pavor, fobia de água.

Existiria uma potência

latente, entranhada

que não vingou em mim?

Então, entorpeço caminhos

que nunca se abrirão.

Não consigo tomar banho

por inteiro, primeiro a cabeça

ou o corpo, nunca os dois

de uma só vez, isso, debaixo

do chuveiro.

Vivi sem mergulhos,

somente a minha sombra

tocariam os espelhos d’águas.

Apavora-me águas remansas,

plácidas dos ribeirões; nem falo

das correntezas e cachoeiras,

sinto algo patético, paralisante.

As profundezas dos mares

e das piscinas de saltos

ornamentais me congelam.

Há nas raias olímpicas

um tempo em mim inalcançável,

sempre haverá pódios vazios.

Mas depois de tantas travessias

e travessuras, todas à seco;

logo agora, quando nascem

desertos internos e até infinitos,

sinto a inevitável necessidade

de aprender a nadar

para seguir sobrevivendo.

Há de nascer em mim

o além-homem

que tanto aguardo.

(Imagem: Costa dos Esqueletos, Namíbia)

Rosalvo Abreu
Enviado por Rosalvo Abreu em 24/01/2024
Código do texto: T7983864
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