DESERTOS INTERNOS
Há em mim uma contradição
intrínseca e inexplicável.
Vindo de um casulo aquático
e existindo em um planeta
aquífero em abundância,
tenho um terrível medo,
quase pavor, fobia de água.
Existiria uma potência
latente, entranhada
que não vingou em mim?
Então, entorpeço caminhos
que nunca se abrirão.
Não consigo tomar banho
por inteiro, primeiro a cabeça
ou o corpo, nunca os dois
de uma só vez, isso, debaixo
do chuveiro.
Vivi sem mergulhos,
somente a minha sombra
tocariam os espelhos d’águas.
Apavora-me águas remansas,
plácidas dos ribeirões; nem falo
das correntezas e cachoeiras,
sinto algo patético, paralisante.
As profundezas dos mares
e das piscinas de saltos
ornamentais me congelam.
Há nas raias olímpicas
um tempo em mim inalcançável,
sempre haverá pódios vazios.
Mas depois de tantas travessias
e travessuras, todas à seco;
logo agora, quando nascem
desertos internos e até infinitos,
sinto a inevitável necessidade
de aprender a nadar
para seguir sobrevivendo.
Há de nascer em mim
o além-homem
que tanto aguardo.
(Imagem: Costa dos Esqueletos, Namíbia)