O último voo do Pássaro
"Give me a afterworld, Leonard Cohen,
So I can sigh eternally." (Nirvana)
Olho para o céu e em mim uma estranha alegria ri:
Não foi nada fácil chegar a esta longa estrada até aqui!
Como é frágil tudo pelo que tanto lutei, amei e sofri,
E, quando enfim aprendo o valor da minha vida,
Um corvo surge da colheita e assim gralha:
“Enfim, é chegada a tua inevitável partida”.
Sempre tive uma família unida e maravilhosa,
Família esta que tanto sofreu e muito amou;
Não sei como descrever a dor de perder uma filha e um irmão,
Não tentem me consolar com essas promessas vazias,
A esperança pode enlouquecer-nos, mas amar não foi em vão.
Lembro-me de quando éramos crianças
E de tudo o que de valioso perdemos.
Eu nunca soube demonstrar bem o que eu sinto,
Sei que vos amo demais, embora pareça que minto.
Toda esta minha timidez só acorrentou
A face sincera de cada verdadeira emoção,
E sei que engavetar ou encenar um ato de amor
Ou um gesto de perdão é somente autoilusão.
Queria agradecer pela bondade dos poucos amigos que tive,
Acho que sempre fui um péssimo amigo, mas juro:
"Nunca, nunca eu quis ferir ninguém."
Mãe, pai, irmãos, amigos raros: não estou desistindo de lutar,
Sei que a vida são ciclos de alguns risos e muitas lágrimas,
E sei que há pessoas que sofrem muito mais do que eu
E ainda assim eles seguem em frente.
Todavia, exaurido completo estou de tentar e lutar e acreditar,
Todas as histórias sempre terminam com uma vida ausente.
Não me chamem de covarde,
Não pensem que sou ingrato,
Não me venham com seus julgamentos virtuosos,
Todos somos egoístas, manipuladores e mentirosos,
Sei que estais cansados e que sofreis também,
Mas cada um reage à tanta dor à sua maneira.
(Aumenta, Doutor, aumenta essa maldita morfina;
Faz alguma coisa logo, que tudo queima e dói!
Pelo amor de deus! Acabe com esta minha vida mofina,
Não quero morrer, mas o corpo quebrado se destrói.)
Nunca fui tocado por um outro ser que pudesse me aceitar,
Compreender-me e de bom grado me amar,
Alguém que realmente lutasse para me ter e amar,
Para me levantar da queda, cuidar destas feridas e me fazer sonhar!
Você não faz a menor ideia do que é estar e viver,
desde criança, sempre sozinho;
E ninguém, ninguém mesmo quer ser teu amigo.
Nenhuma garota quis me beijar nem me abraçar,
Eu procurei tanto por amigos e por amor e só fui enganado,
Só fui motivo de risos, enxovalhos e humilhações,
Só ganhei pérfidas coroas de longos espinhos
Que só me deixaram ser rei de tristezas e das solidões.
Olho de novo para o céu e então caio aflito no chão,
Grito em agonia e em lágrimas do meu pranto!
Sou como aquele velho pássaro abandonado
Que perdeu num silêncio algoz a voz do próprio canto;
Outrora, eu voava com alegria e cantava e vivia tanto,
E me encantava sobre os montes e as lindas paisagens,
Depois de ter tocado e ultrapassado os cumes das nuvens e das voragens,
Meu voo pousou na última árvore semeada pelo outono.
Este velho pássaro aqui foi tragado pelo vento
Para o reino da enfermidade e do esquecido e vazio Tempo,
Transportado na marra para aquela casa sempre escura
Que havia antes do nascimento das estrelas puras e impuras.
Talvez haja, quem sabe, um pouco de paz por lá;
Talvez o pássaro encontre um seio para seu ser descansar;
Quem sabe haja por lá um amigo de verdade,
Um amigo que me abrace e chore comigo com fraternidade.
Quem sabe lá seja encontrado meu canto verdadeiro,
E que meu gorjeio possa voar para o céu e lá brilhar
(E alguém deste caótico planeta aqui possa finalmente
Ver o sussuro do meu fugaz canto, ouvir a luz desta celeste semente
E florir dentro de si o cântico eterno para depois pelo mundo caminhar e amar).
Ide e voai, ó minha fugidia, amiga e aflita alma,
Voai e encontrai um lar, uma vida, uma calma...