CISMA DE UM DESOCUPADO

Não me interessa a luz de galáxias

há bilhões de anos de distância,

enquanto crianças, na prática,

morrem inacabadas da infância.

Nem as vidas envergonhadas

dos seres sencientes no espaço,

aqui há gente por demais apagada

onde os telescópios não alcançam,

onde as naves não levam água,

onde o dinheiro não traz esperança.

Quando eu não tinha comida

eu chorava de fome,

quando não tinha nada

eu dormia com uma faca.

Estudei até perder o sono,

memorizei cada atalho,

premi cada neurônio,

de cabo a rabo

amarrei todos os editais,

até que coube meu sonho.

Então olhei pra trás,

a meta me enchera de orgulho,

o que fora antes, não era mais,

era um ponto fora da curva

que o esforço dantesco

me tinha realizado.

Agora que eu tenho o mundo

e não choro mais de fome

me deito no leito meritocrático,

prego a todos o segredo

e exijo que todos sejam nomeados.

As migalhas que eu deixei

os outros podem comer.

Eu sou a prova.

O que versos podem saber?

Quanto podem valer, se escrevo de graça?

Quando estudo aprendo as leis

ou como fazer um cadastro,

quando escrevo poemas

eu não aprendo nada,

são horas desperdiçadas de legislação

que eu poderia estudar para o concurso.

Concursado conseguiria escrever

e publicar, à minha custa, um livro,

ainda assim não valeria nada.

Talvez essa seja a graça

em palavras que ninguém vai ler.

Quando punha meu amor nos versos

eu era rejeitado por doces jeitos,

agora as mãos nos teus peitos

tem os dedos desajeitados,

quando implorei ajuda nas linhas

ninguém entendeu o meu recado,

a solidão devorou a emergência,

sou uma casca do meu passado,

ainda vejo as mesmas paredes,

ainda erro os mesmos verbetes,

vagabundo de mim, me liquido,

sem que veja alma no planeta

que os olhos estão voltados

ao longínquo ou ao umbigo.

Diego Duarte dos Santos

Diego Duarte
Enviado por Diego Duarte em 07/11/2023
Código do texto: T7926971
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