Perseguição do eu
Tem uma sombra, falei.
Sombra!? Que sombra?
Do seu lado.
Não tem sombra nenhuma. Por que teria?
Não sei, está aí. Ela chora.
Chora?
Chora.
Por quê?
Não sei. Está chorando.
Você é louco!
Loucos temos demais. Não sou.
Não gosto dessas brincadeiras.
Não brinco. Falo sério.
Cala a boca.
Tá cutucando seu peito.
Não sinto nada.
Mas tá cutucando. Quer entrar.
Entrar no quê?
A sombra quer entrar no seu coração.
Para quê?
Não sei.
Você está inventando coisas.
Nada invento, só vejo.
Vê o quê?
A sombra. Está do seu lado.
Ele andou. Agora está? Falei.
Sim. Ela te persegue.
Por quê?
Não sei. Todas sombras nos perseguem.
Por que o fazem?
Porque é assim. Dois lados. Quando vê, ele te devora.
Devora? Como devora?
Devora a alma e a carne. Te deixa podre, com cheiro de angústia.
Enlouqueceu?
Não. Ela tá cutucando, cutucando, cutucando.
Não tem nada.
Olha para dentro. Vai encontrar.
Dentro? Da onde?
De você. Da cabeça.
Por que a cabeça?
A cabeça é a residência da podridão.
E por que lá?
Porque te persegue.
O que persegue?
O pensamento.
Pensamento do quê?
Descubra.
Não sei do que fala.
Descobre.
Como?
Abre a cabeça.
Vou morrer.
Louco. Não vai.
Como é a sombra?
Feminina.
Por quê?
Porque ela te persegue.
Você não me disse o porquê.
Domina sua mente, e não sai jamais.
E como sai?
O fim faz sair.
Que fim?
Da vida.
Não posso morrer.
A sombra dura para sempre. Nunca sai.
Por que uma mulher?
Olha para trás.
Trás da onde?
Da cabeça.
Ah. Você é sábio, falou chorando.
Segunda sombra...
Quem?
Você.