Choveu no Círio
Belém, 8 de outubro de 2023.
Do ano mais quente da história.
Da seca que assola o Amazonas,
a cada notícia eu rezei inconscientemente.
Queria que o drama das pessoas, e dos peixes, e dos botos terminasse.
Trazia orações para que os rios fossem o leito das vidas,
não o cemitério que mesmo de longe senti.
Hoje de manhã, porém, eu vi nuvens no céu,
mas qual nada seria novamente, de nuvens que respingavam
para logo evaporarem.
É o vapor da panela de pressão que transformamos o mundo,
e não tendo água, iminente a panela para queimar, quem sabe explodir,
enquanto carruagens aladas levam nobres que torcem os narizes para a Humanidade.
Só lhes interessa o fedor do dinheiro.
Desculpem, são pensamentos preocupados com o amanhã.
Falha-me a esperança,
sobra indignação.
Só que Krenak agora é imortal das letras e disso eu já sabia.
Só não percebia que era possível no país inventado chamado Brasil.
Brota-me olhares de quem sabe, até poderia, eu teimando comigo,
ser tudo mais ameno, ser justo.
Quando começa a chover.
Não a chuva sofrida de pingos mal chegados na terra.
Uma chuva digna de ser chamada de chuva, barulhenta em minha janela.
Uma chuva no Círio de Nazaré.
De águas que escorrem para as profundezas do solo
que irão abastecer poços, veios, rios subterrâneos,
até emergir em igarapés.
Que em algum lugar daqui onde chove, imaginei, rega açaizeiros, mututis,
araras, quatipurus, cutias e sumaumeiras.
Sumaúmas em que Nazinha, a santa indígena, está a nos advogar, apesar de nossos erros.
Choveu no Círio de Nazaré.
E o coração esperançou.