Do Nascimento à Vida do Poeta

Numa tarde quente de Abril

minha mãe levada a parto

sofreu venturas mil

ao parir-me nesse quarto.

Nasci em dia sem razão

dum porquê que me transcende

a Vida comeu-me o coração

como um verso que nos prende.

E assim no quarto escuro

da minha longa podridão

nasci velho prematuro

com mil facas na mão.

E na verdade que perdura

num presente que é ausência

meus olhos de loucura

eram filhos da demência.

E sentia um vazio

que não podia compensar

minha mãe que me traiu

deu-me à vida p'ra penar.

Havia em torno Primavera

mas em mim era Inverno

ter morrido, quem me dera,

estava longe deste Inferno!

E o Pai que nunca tive

foi carrasco do Poeta,

mas quem sofre e sobrevive,

se não morre, recupera ...

A esperança estava a meio

entre os dois que era eu

e a metade de estar cheio

foi a dor que não doeu!

É o amor exactidão

p'ró destino indisponivel

mas quem sabe se a razão

não liberta o impossivel!

E p'ró mistério de chegar

fui matando a paciência,

fui levado a deixar

tão cedo a inocência ...

Fui velho ao nascer

num sangrar até doer,

velho sou e hei-de ser

sempre velho até morrer!