AFETOS ABORTADOS

Os olhares aproximavam o que estava distante.

Assustados, recolhiam as mãos que se punham

em gestos de puro afeto.

Não entendiam:

é preciso coragem para a verdade do afeto?

 

Gestos ensaiados e nervosos,

marcados pelo medo,

estancavam-se entre o ato

e o pensamento;

por que os pensamentos?

 

Os afetos sempre lhes pareciam fraquezas.

Melhor trancarem-se nos quartos,

na escuridão isolada dos quartos,

e tapar olhos e ouvidos,

mas como fechar os corações

que pulsavam rápidos, sempre querendo?

 

Os gestos estavam algemados,

presos, nas prisões sem grades.

Queriam compreender:

o mundo parecia de aparências

e de incertezas, muitas incertezas,

o mundo parecia uma guerra;

e o afeto... era uma batalha?

 

Buscavam, medrosos, estender as mãos

à procura de outras,

das muitas outras...

De repente, fechavam-se...

Os peitos apertados...

A vida era de medos,

só medos...

 

Só restavam os gestos que afastavam

e que só levavam a perder,

já que se abortavam,

sempre se abortavam,

quando acabavam de nascer.

 

 

Zildo Gallo

Americana, SP, 19 de agosto de 1983 e 08 de janeiro de 1984.

Revisão: Campinas, 26 de junho de 2017.